segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Crônica: Dispensa de Cor... BRASIL E SEU ARQUIVO DA HUMILIAÇÃO...



     Há documentos no Brasil que cortam mais fundo que qualquer espada. Não porque descrevem violência explícita, mas porque oficializam aquilo que nunca deveria ter sido escrito. A desumanização como política de Estado.

     Entre eles, repousa silenciosa e vergonhosa a prática imperial da “Dispensa da cor”. Um recurso jurídico que, ironicamente, dizia mais sobre a nação do que sobre o requerente.

     No século XIX, em pleno Império, pessoas pretas, livres escreviam cartas pedindo autorização para que a própria cor não fosse usada contra elas.
    Era uma súplica institucionalizada. Um ritual de humilhação administrativa. Um ato que dizia, com caligrafia elegante...

    “Rogo a Vossa Majestade que me dispense da nota de cor, para que eu possa exercer o cargo.”

    É difícil não ler isso como um epitáfio civil. Porque ali, entre carimbos e tinta desbotada, está a prova de que a modernidade brasileira se ergueu com uma lógica brutal… 'A cidadania tinha pigmento'.
    E quem não correspondia ao tom ideal precisava pedir dispensa para existir, para trabalhar, para servir ao Estado que o negava.

    A violência desse mecanismo não está apenas na desigualdade que produz, mas na pedagogia que instaura a cor como falha, o corpo preto como erro, a dignidade como concessão.

    E o mais perverso é que tudo isso era feito sem gritos, sem algemas, sem espetáculo. A brutalidade brasileira sempre gostava e ainda gosta, de ser discreta.

    Mas o que essa história revela não é apenas o passado. É o método. É a estrutura mental que permanece.

    Porque, hoje, a dispensa da cor pode não ser escrita, mas ecoa nos currículos descartados, nos corpos suspeitos por padrão, nos espaços onde a branquitude se imagina neutra e universal.

    A academia chama isso de racismo estrutural. Eu chamo de "Memória Persistente do Açoite". Um país que não se livra dos fantasmas porque continua se alimentando deles.

    E, ainda assim, esse eco exige ser enfrentado. Não como culpa, a culpa paralisa, mas como responsabilidade histórica.
    Como compromisso ético com a verdade, O Brasil não foi cordial. Foi hierárquico. Foi seletivo. E fez da cor uma fronteira interna.

    Escrever sobre isso não é remoer o passado.
É recusá-lo. É rasgar o decreto simbólico que dizia que alguém precisava pedir permissão para ser gente. É reescrever o que deveria ter sido óbvio desde sempre.

      Porque nenhum país se torna justo enquanto sua história permanece intacta intocada, esterilizada, confortável.

     A justiça exige fissura. Exige incômodo. Exige olhar para "o arquivo da humilhação" sem desviar os olhos.

     Lembrar disso não é abrir ferida, é impedir que ela cicatrize torta.
     É reconhecer que, sim, já existiu um Brasil, onde era preciso pedir permissão para ser.
     E que ainda estamos tentando construir, c
om ajuda do nosso atual, Governo, Democrático e Justo um Brasil onde ninguém precise pedir mais nada além de respeito.


     Por Alfredo Guilherme




13 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela coragem e pela lucidez. Que mais pessoas possam ler e se deixar se atravessar por esse chamado à memória e à responsabilidade.

Anônimo disse...

Esse tipo de reflexão é urgente. Rasgar o decreto simbólico, como você diz, é mais do que lembrar é recusar a naturalização da desigualdade e exigir fissuras naquilo que ainda se mantém intacto. Seu texto incomoda, e é justamente esse incômodo que abre espaço para a justiça. parabéns caro amigo

Anônimo disse...

É impossível ler sem sentir o peso da responsabilidade histórica que você convoca, não como culpa, mas como compromisso ético.

Anônimo disse...

O texto é um soco silencioso no racismo. Alfredo, você conseguiu transformar em palavras a brutalidade discreta que moldou o Brasil e que, infelizmente, ainda ecoa em nossas estruturas sociais.

Anônimo disse...

Parabéns é uma reflexão pra ler várias vezes estamos precisando de respeito sim 💝💝

Anônimo disse...

A força da sua escrita está em mostrar que não se trata de passado morto, mas de um método vivo, que se reinventa nos currículos rejeitados, nos olhares de suspeita e nas portas que continuam fechadas.

Anônimo disse...

A “Dispensa da cor” não é apenas um documento histórico, é um espelho incômodo que nos obriga a encarar como a cidadania foi construída sobre exclusões e concessões. BELO TEXTO

Anônimo disse...

Essa humilição não é contada nas escolas pois deveria ....

Anônimo disse...

Que texto poderoso! A 'dispensa da cor' é uma ferida histórica que precisa ser lembrada. Obrigada por dar voz a essa memória que muitos preferem silenciar....Maria Clara

Anônimo disse...

A frase 'a cidadania tinha pigmento' deveria estar em todos os livros de história. É uma síntese brutal e verdadeira. Seu texto incomoda, e é justamente esse incômodo que abre espaço para a justiça.

Anônimo disse...

Confesso que nunca tinha ouvido falar desse mecanismo. Fiquei chocada. É como se a burocracia fosse usada para institucionalizar a humilhação. Seu texto me fez pensar em quantas vezes ainda precisamos pedir permissão para existir. Ana Luiza sua seguidora no blog

Anônimo disse...

Seu texto é impactante, mas me incomoda quando você coloca o atual governo como 'democrático e justo'. Acho que ainda há muito a ser feito e não podemos romantizar. O racismo continua vivo nas instituições, e não basta boa vontade política precisamos de ações concretas.

Anônimo disse...

Não sei se concordo totalmente. Claro que havia racismo institucional, mas também existiam pessoas negras que conquistaram espaços sem pedir dispensa. Será que só essas histórias interessavam nos contar pra não focar apenas na humilhação?