sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Crônica poética — “Um Brinde à Liberdade com Gelo e Ginga”

 


       Que tal dar um susto na pobreza?

     Colocar um terno emprestado, fazer cara de quem entende de ações e falar “on the rocks” com sotaque do subúrbio. Entrar num bar chique de Manhattan, pedir um uísque caro como quem pede água da bica, e brindar à ancestralidade com olhos que nunca se curvaram ao dólar.

     Mas, quer saber?

     A gente prefere mesmo é torcer pelo time de coração e brindar mesmo é em Copacabana.
     De chinelo, de samba, com o sol lambendo os ombros e o garçom ranzinza dizendo que não tem fiado, mas tem afeto.

     Porque a gente já entendeu que luxo mesmo é rir com todos os dentes, mesmo quando a geladeira faz eco.
     É brindar com vinho nacional de uva brasileira e suor de trabalhador.
     É fazer do bar da esquina o nosso Madison Square Garden emocional.

     Podíamos querer tudo importado, mas a verdade é que a gente gosta é de fazer do improviso uma arte, e da mesa de plástico do quiosque um banquete com vista pro mar.

     O Brasil tem suas dores, suas fomes, seus buracos...
     Mas tem também um jeito insolente de existir, de não pedir licença pra ser alegre, de resistir com batuque, beijo de língua e frase de efeito, contra falsos patriotas brasileiros, que usaram bone vermelho com essa frase... Make America Great Again…ainda bem que o nosso pais não precisa disso ele já nasceu grande.

     Não precisamos de aprovação estrangeira.
     Não precisamos de permissão pra brindar com o que nos pertence, nossa terra, nossa fala, nossa maneira torta e maravilhosa de ser povo.

     Se for pra dar susto na pobreza, que seja com risada escandalosa, com beijo roubado num boteco e um brinde feito com copo de requeijão.

     Porque somos esse Brasil brasileiro... Um lugar de democracia… Com muito orgulho, com muito amor, e uma tremenda preguiça de fingir que queremos ser qualquer coisa além de nós mesmos.

     Tim- Tim… Saúde.


     Por Alfredo Guilherme 



quinta-feira, 31 de julho de 2025

Entre o caos e o café da manhã, eu me reinvento...

      


      O meu amanhecer virou um teatro existencial!...Vou ilustrar a bagunça tranquila do início do meu dia... 

     Uma mesa com migalhas de pão, uma caneca meio cheia, um sol preguiçoso entrando pela janela. 
     Misturo pequenas frases reflexivas sobre o meu cotidiano com desenhos leves expressivos, no papel da vida e talvez até cômicos, com um pensamento flutuando em forma de nuvem.

     O óculos esquecido no canto da mesa se sente invisível... e da a sua alfinetada... “Só lembram de mim quando querem enxergar melhor o que ignoraram...” 
     E apesar da lente embaçada, ainda me faz enxergar o afeto nos gestos distraídos.

     Entre o caos e o café da manhã, eu me reinvento. 
     As migalhas são memória, pequenos fragmentos de ontem sobre a mesa de hoje. 
     A caneca meio cheia não é sinal de otimismo, é só o tempo ainda em repouso.

     A colher observa tudo com a paciência de quem já viu muitas manhãs se desdobrarem em promessas adiadas.
     O despertador, coitado, já quis ser poeta... mas só consegue me irritar ao despertar. 

     Há dias em que os pensamentos flutuam, densos e disformes, no céu do travesseiro. 
     O sol se espreguiça devagar, não quer ser luz, quer ser abraço.

     E nessa bagunça silenciosa, tudo conspira para que eu seja um novo eu... Com novo olhar para a mesma janela. E um longo suspiro antes do primeiro gole. 

    Embalado pela rotina, esticado pelas vontades, acordado para comer uma torrada filosófica a beira do prato, "Será que sou mais torradinha quando penso demais? ".     

    Me questiono, enquanto a manteiga escorre como pensamentos não ditos.

    Do outro lado da mesa, o celular dramático, já me chamando para o monólogo exagerado de bom dia, no WhatsApp.

    O celular não me representa! Eu sou mais do que postagens ou mensagens... sou emoção, sou exagero, sou papel querendo ser poesia!.

    Enquanto isso, o leite decide se revoltar contra a gravidade, deixando seu exagero no fogão, e já na xícara, começa fazendo arte no café com desenhos abstratos que só quem é ligado as artes entende.   

    A chave filosófica, pendurada ao lado da porta, murmura entre suspiros de metal... “Abrir caminhos exige coragem". E um bom molho de possibilidades...” 
    Ela observa a vida acontecer, desejando ser porta-voz de novos destinos. Pois lá fora, o mundo respira, ainda sonolento, no que ainda é possível.

    Cada detalhe revelado no meio da trivialidade do meu amanhecer, há uma coreografia íntima entre humor, filosofia e uma leve melancolia saborosa...  Esse é o meu amanhecer... 

     

      Por Alfredo Guilherme



terça-feira, 29 de julho de 2025

Crônica : Desejo com Coerência…


       Quando o ”Amor Chega Depois”…
      Você já teve uma história?
      Subiu ao altar entre promessas e flores, fez juras de eternidade com o coração cheio de amor e os olhos brilhando. E cá entre nós… aliviada por sair dos desejos contidos, chegar pro finalmente… devidamente autorizada…

     Talvez teve filhos, talvez silêncios.
      E talvez até uma dor que mora ali, quietinha… num canto da memória que só você conhece.

      E então… alguém chega depois. Não pra substituir o que foi.
      Nem pra competir com o que marcou a sua vida. Ele chega devagar, na maciota.
      Como quem entra num templo sagrado, respeitando cada vela apagada, mas com vontade de acender uma nova luz.

      Amar alguém depois dos 60, 70… mesmo ele não começado, como antigamente num assobio atrevido de fiu-fiu, esquina, nem num flerte no baile de formatura... Ou receber flores com um pedido de namoro, depois de você passar por alguém na paquera na praça em um “footing”exalando o seu perfume atemporal, Chanel No 5. 

      Infelizmente teve também o atalho do horror, com casamentos arranjados, ou casar pra fugir da tirania dos pais.  

      E… Hoje, é comum, o amor chegar por mensagem, com um "match" tímido e uma foto de perfil cuidadosamente escolhida.
      Os tempos mudaram… mas o amor?
      O amor, se bem-vindo, permanece.

      É nesse depois que mora a delicadeza. O corpo já tem memória de outros corpos, a pele já conhece as linguagens do afeto, e do sexo, e o coração, mesmo com receios, ainda quer aprender a batucar diferente. Sem a regência de familiares que acham que a idade impede o raciocínio logico.

      E então você se permite. Desejar com leveza, sem precisar provar nada.
      Sentir sem performance. Beijar sem pressa, se entregar por inteira.
       Entender que a libido, agora, floresce com afeto mútuo e com aquela paciência bonita de quem sabe que tudo que é bom… tem que ser vivido intensamente.

       Não se promete fogos de artifício todos os dias. Mas se oferece em abraços que não temem o tempo, e silêncios que aconchegam mais que palavras.

       Se um dia a saudade de um amor antigo visitar você, tudo bem.
       Esse novo alguém vai segurar sua mão, e escrever, junto, um novo capítulo,  com menos urgência e mais poesia.

      Porque  se o seu corpo ainda quiser dançar, mesmo que mais devagar, você vai encontrar com esse alguém, a música certa, respeitando cada passo de 2 pra cá e um pra lá.

     Porque amar, depois de tanto, é saber que o amor não precisa mais correr. Só precisa ser o mais intenso que o esperado .

     E quando for... vai ser com tesão manso, até atingir o ápice do afeto sincero e ternura sem data de validade.

   

      Por Alfredo Guilherme 


domingo, 27 de julho de 2025

Crônica: Somos passáveis até que ponto ?…

 


      Passável até que ponto?…
     Tem gente que diz com a melhor das intenções… - Ah, mas você nem parece...
     E aí, o elogio vira espelho rachado.
     Porque o que seria "parecer"?.. Ficar perecendo como quê? Não aparentar a idade? É isso… 
     O que esperavam que eu parecesse para ser quem eu sou?

     A sociedade gosta do que ela chama de “Passável”.
     Quem tem traços que não incomodam… Cor da pele que “dá pra disfarçar”… Chamar o preto de pele mais clara de moreno, Cabelos que, alisados, parecem mais obedientes ao pente e ao olhar.

     Gosta de quem é preto, mas “não tanto”.
     Gosta de quem é nordestino, mas com o sotaque polido.
     Gosta de quem é indígena, mas usa roupas da Zara.
     Gosta do corpo fora do padrão... Desde que ele se arrependa e vá pra academia.

     Aceita quem tem “defeito”, mas que já esteja tentando “consertar”.
     Aceita a dor, desde que não grite.
     Aceita a diferença, desde que seja discreta, domesticada, digerível.

     O problema é que o afeto que vem do “passável” não é afeto… É concessão.
     É a migalha que se joga no prato de quem sempre teve que comer calado.

     Ser passável é ser aceito com desconto… É ser quase humano, desde que não reclame demais, não lembre demais o que já sofreu, não exija respeito demais, só o mínimo socialmente confortável.

     Mas ser aceito assim é também morrer de pouco em pouco.
     Porque se você precisa calar uma parte de si pra ser amado, esse amor não é por você… É pelo seu disfarce.

     A sociedade elogia o que não ameaça. Diz que ama a diversidade, mas só se ela for "instagramável".
     Tolera a diferença no discurso, mas exige “harmonização” estética na prática.

     O corpo não mente... Nem a alma.
     Ela engasga, mesmo quando você tenta engolir.
     Ela resiste, mesmo quando dizem que "não é pra tanto".

      E um dia a gente entende que passar por aceitável não vale o preço de passar por invisível.
     A aceitação plena vem com o risco do incômodo.
     E incomodar, às vezes, é o maior ato de amor-próprio que alguém pode cometer.

     Mas chega uma hora em que o amor-próprio cansa de pedir licença. E entra com tudo. E não pede desculpa por existir.

     Porque o mundo só muda quando alguém, sem pedir desculpas, ocupa seu espaço com a própria pele. Com cabelo rebelde, com sotaque forte, cor, raça, voz, peso, volume, riso, tatuagem e cicatrizes da vida.

      O afeto verdadeiro começa quando ninguém precisa se diminuir para caber.

    E a revolução acontece quando alguém diz, sem medo…
"Me veja por inteiro. Ou me deixe passar.”


     Por Alfredo Guilherme 



terça-feira, 22 de julho de 2025

Crônica : A felicidade não está só com pessoas que fazem parte da nossa vida,! onde mais ela pode estar?”…

  


     Às vezes, a gente procura felicidade nas vozes conhecidas.
     Nos abraços familiares. Nos rostos que fazem parte da nossa história como se fossem capítulos que não podem ser pulados.

     Mas a verdade é que a felicidade também mora em lugares improváveis.
     Ela pode estar numa tarde silenciosa que você passa sozinho, ouvindo sua respiração e lembrando que está vivo.
     Pode morar naquele café quente que você toma devagar, sem pressa de voltar pra nada.

      A felicidade pode estar num livro que te entende mais do que muita gente.
     Num filme antigo, num banho demorado, num pôr do sol que você viu sem avisar ninguém.

     Ela pode aparecer na liberdade de dizer "não", ou no alívio de perceber que você não precisa agradar todo mundo pra merecer amor.

     Felicidade, às vezes, é ter coragem de ir embora de um lugar onde seu riso virou sussurro.
     É encontrar paz na sua própria companhia, mesmo quando o mundo diz que você devia estar em dupla com alguém.

     Ela mora na dança desajeitada na sala. Na música que você canta errado, mas canta com alma.
     Na mensagem que você não mandou, e se orgulha disso.

     Felicidade não é só estar com quem te ama. É também conseguir se amar, mesmo quando ninguém está olhando.

    Ela se esconde nas pausas. Nos recomeços. No perdão que você dá pra si mesmo.
     Na escolha de se escutar, mesmo que isso te leve pra longe de quem você pensava precisar.

     Saiba você que a felicidade não depende só das pessoas que fazem parte da sua vida.

     E, mais profundamente, a felicidade pode estar na aceitação de si mesmo, com todas as imperfeições e vontades que não cabem nos moldes. 

     Está no instante em que você para de se comparar, de correr, de buscar aprovação, e simplesmente respirar você.

      E quando isso acontecer a felicidade brota fazendo parte da sua própria vida. 


       Por Alfredo Guilherme 



domingo, 20 de julho de 2025

Fome de você…

 


       Acordei faminto…
     Não por café, nem por pão quente.
     Com a luz entrando pela janela no seu travesseiro amassado, percebi que era desejo em jejum, carência de você, que apertou o meu peito antes mesmo do despertador.

     E foi essa memória quente, crua que me serviu saudade no café da manhã.

     Minha boca queria seus desabafos matinais, seus olhos ainda meio sonâmbulos, sua pele com cheiro de ontem, e aquele silêncio no abraço apertado de bom dia.

    Acordei com fome de você, amor. 
    Dos seus desejos mais íntimos.
    Queria novamente saborear teus segredos, lamber teus silêncios, morder tuas saudades, como quem implora… Se pertencer.

     Acordei… querendo devorar a lembrança do seu riso nu, dos nossos corpos sem pressa.
     Do rastro do teu perfume no lençol, do seu jeito distraído.
     Do nosso suor que a gente confundia com poesia.

     Senti falta até do seu incômodo…
     Da tua mania de mudar de lado, dos pés frios grudando nos meus, do seu suspiro profundo dormindo ao meu lado.

     Hoje, minha fome é memória, meu apetite é a sua ausência.
     Meu corpo não esquece os caminhos de sedução do seu corpo, na minha cama.

     E mesmo sozinho, me deitei de novo no espaço onde você se deita, tentando  saborear, em pensamentos, aquele último beijo que você me deu… Em uma despedida com retorno marcado.


     Por Alfredo Guilherme 




quinta-feira, 17 de julho de 2025

Crônica : Quando o Tempo Alonga o Prazer…

 


      Chega um tempo em que o coração não bate por impulso.  

     Ele já não se lança no primeiro olhar, nem se perde em promessas apressadas. Ele observa.      

     Escuta o silêncio antes do beijo. E só então... decide pular no peito.

      Na maturidade, o amor não é mais urgência é escolha refinada. Não se ama para ser salvo. Ama-se porque ainda se tem algo a oferecer. E, surpreendentemente, não é pouco.

    O corpo muda. Claro que muda. O desejo também muda de endereço. Sai do centro do peito e vai morar nos detalhes, no jeito como alguém te cobre sem que você peça, ou como espera você se sentar antes de começar a falar.

    A gente descobre, por fim, que o prazer não está mais nas noites sem hora, mas sim nas manhãs com propósito.
    Na mão que não esfria porque alguém segurou sua mão.
    No riso que vem sem força mas vem inteiro.

     Preencher o coração depois dos 70 não é tarefa para apressados.
     É arte para quem aprendeu a degustar o tempo, como quem saboreia um café forte, sem açúcar, mas com alma.

     E o prazer?
     Ah… O prazer permanece.
     Menos barulhento, mais certeiro.
     Prazer de ter vivido e, mesmo assim, ainda querer.
     Querer um novo afeto, uma nova paz, um novo motivo pra levantar da poltrona e vestir a alma de domingo.

     Porque longevidade não é extensão de vida. É profundidade de sentimento.

      E amar com leveza, com humor, com inteligência emocional é a forma mais bonita de resistir ao tempo... com o coração batendo no compasso da felicidade.


      Por Alfredo Guilherme 




quarta-feira, 16 de julho de 2025

Crônica : Respirar Brasil com os Pulmões Inteiros…

 


      Tem dias em que o ar do Brasil vem denso.
     Cheio de memórias, de lutas que ainda não terminaram e de esperanças que teimam em nascer à cada raiar do dia, junto com o café,  e o pão na chapa, da padaria da esquina.

     Respirar a soberania de um país é mais do que defender fronteiras com mapas.
     É proteger o cheiro do feijão da avó, a música que nasceu no morro, a reza sussurrada em Aparecida, o sotaque que não se dobra à gramática dos outros.

     É dizer, com o corpo inteiro… "Eu sou daqui… Sou brasileiro”.
     E daqui eu me levanto, sem precisar pedir licença ao mundo nem traduzir minha alma pra inglês.

     A gente vive num país que já foi saqueado antes de ser entendido.
     Tentaram nos ensinar o que comer, como amar, o que vestir, o que pensar.
     Mas o Brasil, quando respira por si, tem pulmão de floresta. 
E floresta, meu amigo… não se dobra fácil. Ela cresce, mesmo depois do fogo.

    Negar interferência externa não é fechar os olhos pro mundo.
    É abrir bem os olhos pra si.
    E perceber que a nossa terra fala em guarani, em yorubá, em português com sotaques arrastado pelo vento vindo de outros estados.

     Soberania, democracia não é só voto, é gesto.
     É quando o pescador conhece o mar melhor que o Departamento de Pesca.
     É quando a criança aprende a cantar hino e funk sem contradição e se apaixonar pelo futebol.
     É quando o povo entende que não precisa de aval de fora pra sonhar grande aqui dentro.

     Respirar o “Brasil com os pulmões inteiros” é resistir a ser moldado por moldes alheios.
     É cultivar o que é nosso sem medo de parecer “menos global”  porque o mundo inteiro mora aqui, mas em ritmo de samba e o calor de um abraço.

    Não somos colônia emocional.
    Não aceitamos tutores sentimentais.
    Temos feridas, sim. Mas também temos memória. E orgulho de cicatriz.

    No Brasil, até a dor tem uma maneira curiosa de ensinar aquilo que a calma. 

    Quando a gente atravessa momentos difíceis, é como se estivéssemos sendo moldados, às vezes de forma dolorosa, mas com o potencial de nos tornar mais fortes, mais conscientes, mais humanos.

    E quem nos quiser ensinar a viver… que aprenda, primeiro, a nos respeitar ao nosso jeito de como a gente sorri feliz por ser brasileiro.

    Por último, quero dizer… Essa casa tem dono. E também tem alma.


     Por Alfredo Guilherme

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Crônica : Quando o amor se veste de perfume...

 


    Há noites em que o amor se veste de perfume e o desejo escapa pelos nossos poros… não por corpos vazios, mas pela presença do corpo amado.

     Nesses momentos, a nossa pele transcende sua própria natureza. Deixa de ser limite e se torna, um mapa desenhado por anseios, marcado pela sedução. Com o corpo, faminto, buscamos aquele que sabemos que não mente no toque, que nos ame, que fale sem palavras. Que seja então simplesmente...  "Esquecer o mundo por algumas horas."

     E acontece essa dança crua e delicada, onde  amantes se encontram como velhas memórias. Se reconhecem na urgência do momento. Não perguntam o quanto se desejam, perguntam com a boca, com o toque das mãos, e com os olhos cerrados.

     Então, nos bebemos. Com sede. Com fome. Com aquela intensidade de quem imagina que talvez tenha apenas esta noite para ser tudo o que desejamos. Há uma beleza nisso na vulnerabilidade de assumir que, por trás do desejo, existe uma alma sedenta de conexão. O amor é, por essência, uma experiência efêmera e eterna ao mesmo tempo.

     Não há espaço para pudor ou receios na entrega. Sabemos que o corpo também ama, também chora, também pede abrigo, ainda que disfarçado de luxúria. E o prazer, quando vivido em sua totalidade, não é apenas físico... é uma prece pagã, murmurada entre gemidos e sorrisos ofegantes.

     Depois, o mundo pode voltar a girar. Os lençóis podem esfriar. Mas por um instante breve e absoluto, dois corpos se tornaram lar, refúgio e alimento um do outro. 

     Porque o amor não é só aquele que permanece... é também aquele que nos atravessa como um raio, que nos acende, sem jamais permitir que a paixão se apague.


      Por Alfredo Guilherme



segunda-feira, 7 de julho de 2025

Crônica : O Último Frasco de Fé...

  


     Para ser lido com as mãos limpas de pressa e os olhos sujos de memória...

    No final do livro coletivo, "A Fé de cada um,"entre trinta vozes e cicatrizes, dos escritores, eu participei, escrevi no final, que guardaria o último frasco de álcool gel. E se alguém perguntasse por quê, eu diria... porque ali dentro havia mais que um produto hospitalar. Havia o suor da sobrevivência. Havia fé destilada.

    Guardei...

    No fundo de uma gaveta, entre as máscaras amarrotadas sem uso, e uma carta que nunca enviei que virou cicatriz, ficou ele, o último frasco de álcool gel. Ainda com metade da esperança líquida.

    Ainda com o cheiro desagradável dos dias em que tocar era perigo, abraçar era risco, e respirar um ato de fé.

    A pandemia, dizem, passou. Mas quem passou mesmo fomos nós.
    Por salas fechadas, por janelas abertas para a esperança demais, por dias longos demais, por noites cheias de estatísticas e orações confusas. 
Por dias longos demais. Por ausências sonoras.

    Cada um à sua maneira aprendeu a respirar com os olhos. A sobreviver por dentro da máscara, no silêncio perturbador.

     Esse frasco permaneceu. Como um totem cotidiano. Lá, empoeirado, como quem sussurra... “Lembre-se que você passou por isso". 
    Não de medo, mas de memória. Como quem guarda não pelo líquido, mas pela história contida ali.

    Fomos trinta autores. Cada texto, cada linha, cada pausa uma tentativa de dizer, à sua maneira... “Continuei... mesmo sem saber como.”

    Agora, fecho este texto como quem fecha uma janela antes da próxima tempestade. Não por pessimismo mas por sabedoria.
    Outros vírus virão... Será ?... Da natureza, de código, de crença, sabe-se lá de onde.
    Mas ainda deixo esse frasco aqui, não como relíquia, mas como símbolo.

    Se a fé é invisível, que ao menos tenha o cheiro do álcool gel na memória, essa foi minha maneira simbólica de dizer... “Eu ainda me lembro”

    Por Alfredo Guilherme 



quarta-feira, 2 de julho de 2025

Mesmo que o mês de Maio não volte mais…

 



      Mesmo que Maio não volte mais, e as flores se cansem de florescer no chão, carrego teu nome no vento feito promessa na contramão.

     Teu silêncio me fala tão alto, tua ausência grita em mim. Teu adeus foi um laço apertado que o tempo não desfaz assim.

     Mesmo que Maio me leve de ti, vou lembrar do teu rosto na chuva. O amor, quando é fundo, resiste, mesmo em ruína, mesmo em dúvida. E se a saudade me despedaçar, te amar ainda vai me bastar.

     Te procurei entre ruas vazias, em sonhos partidos no chão. Tua sombra me guia em silêncio, é farol na escuridão.

     Teu perfume ainda mora em Maio, mesmo quando já é Junho em mim. E cada pétala que cai no asfalto me pergunta por ti no fim.

     Não preciso de promessas, só do que a lembrança traz. Um amor que mesmo ausente nunca se desfaz...

     Mesmo que o tempo não cure o que há, vou te guardar na canção que o vento traça. 

     E enquanto houver Maio em mim, e uma primavera que insiste em florescer mesmo depois da estação ter partido. Vou te amar. 


      Alfredo Guilherme




segunda-feira, 30 de junho de 2025

Crônica :– Carinhas Ensacadas…

 



    Tem dias que a gente se sente assim, carinha sorrindo por fora, mas trancada num saco de plástico.

    Olha só esse pacote. Parece inocente, um saquinho de doces, talvez. Mas, se você observar direito, ele carrega uma metáfora das boas, um monte de carinhas desenhadas, felizes, presas num espaço apertado. Amontoadas, sufocadas, em um saco plástico. Sorrisos organizados pelo sufoco.

    Talvez seja isso que acontece com a gente de vez em quando. A vida empacota nossos afetos. A gente vai se adaptando, fingindo que está acostumada, estampando sorriso automático. Dizendo " Tá tudo bem " mais na verdade, mantendo a alma em modo economia de sentimentos.

    As carinhas dentro do saco têm algo de encantador e inquietante. Parecem prontas para a festa, mas não foram convidadas a sair. Ficam ali, empilhadas, simpáticas, mas esquecidas. Como aqueles sentimentos que a gente guarda para não atrapalhar ninguém.

    E o mais curioso é que, mesmo dentro do saco, elas ainda sorriem.
    Como se dissessem... “Oi gente ainda estamos  aqui, tá? Esperando a hora certa de respirar ai fora.”

    Talvez a crônica de hoje seja só isso, um lembrete de que não dá pra viver muito tempo ensacado. 

     Que é preciso, de vez em quando, abrir a embalagem da rotina, deixar o ar entrar, e permitir que nossas carinhas e sentimentos, tomem a forma que quiserem. Desde que sejam verdadeiros.

    E isso vai ser mais do que carinhas e sentimentos livres...Vai ser poesia...

     Por Alfredo Guilherme


terça-feira, 24 de junho de 2025

Crônica : Amar é quando os neurônios perdem a compostura…


      Ninguém avisa, mas quando a gente ama... O cérebro enlouquece antes do coração.
     O amor não começa no coração.
     Mais especificamente, num colapso coletivo dos seus neurônios, que antes funcionavam lindamente… até você topar com um olhar tão aguardando na hora certa.

     Aí pronto… A lógica sai de fininho, o juízo entra em coma, e a química cerebral começa a fazer festa como bebida adulterada na balada noturna.

     Dopamina, serotonina, oxitocina.
     Esse trio arma um motim.
     Te deixa bobo, carente, faminto e, pior de tudo… “esperançoso”.

     Você acha que está vivendo um romance como os de seus sonhos.
     Mas, na real, é só o seu córtex pré-frontal em pane, desligando o botão do "cuidado" e ligando o da "fantasia irracional".

     A amígdala, coitada, que deveria gritar “perigo!”, aplaude o caos.
     Ela assiste você romantizar migalha, inventar futuro com base em emoji, e ainda bate palma.

     E a culpa é de quem? Dos seus neurônios.
     Que acham que estão num festival de serotonina e não perceberam que o outro já foi embora mentalmente faz tempo.

      O amor é esse estado de exceção biológica.
      É a única loucura socialmente aplaudida.
      Você perde o apetite, o sono, o critério.
      Vira um "perseguidor" elegante, um poeta por acidente. 
      Um viciado esperando a próxima notificação como quem espera milagre.

      Pior... você sabe que está exagerando.
      Mas não quer voltar ao normal.
      O normal é frio. O normal é lúcido.
      E ninguém quer lucidez quando está amando.

      Amar, no fundo, é pedir para sofrer com estilo.
      É vestir a camisa do time que nunca vence, mas acreditar até o apito final.

      E quando termina?
      Os neurônios demoram semanas pra desinflamar.
      
Você passa dias revendo mensagens, interpretando silêncios, como se fosse possível reescrever a história com análise de comportamento online.

      É patético… É poético… É profundamente humano.

     No fim das contas, amar é um colapso neuroquímico com final incerto.
     Mas mesmo sabendo disso, a gente mergulha.
      De novo e de novo.
      Porque, entre a sanidade entediante e a loucura apaixonada, o coração e o cérebro sempre escolhem se perder um pouco.

      Amar é um tipo de loucura sagrada.
      É o cérebro dizendo... "Sim, eu sei que isso não faz o menor sentido… mas me deixa sonhar um pouco".

     Vai entender né…


      Por Alfredo Guilherme


 … Para quem já amou tanto que confundiu poesia com neurociência. E não se arrependeu.

   O que sobra da gente quando o amor sai da cabeça?

   O amor, quando vai embora, não avisa.
   Ele desocupa o cérebro devagar, como quem desliga as luzes de um palco depois de uma peça.
   Fica a sensação de que ainda há algo acontecendo… mas é só eco.

   Os neurônios, antes em festa, agora fazem faxina.
Jogam fora os roteiros inventados, apagam as notificações que nunca vieram, e com um pouco de vergonha  tentam retomar a programação normal.

   Mas o normal já não é o mesmo.
   Porque amar, mesmo que tenha sido um erro, deixa marcas como uma febre boa que bagunçou o calendário interno.
   E o que sobra da gente quando o amor sai da cabeça… é quase uma outra pessoa.

   Mais cética, talvez.
   Mais ciente de que o desejo inventa, sim mas o corpo acredita.
   Mais atenta aos sinais, mas ainda assim… disponível para o próximo tropeço.

   O que sobra da gente é um rascunho com cheiro de recomeço.
   Um cérebro que aprendeu que a paixão é desordem, mas também é vida.

   E por mais que doa o fim, a gente agradece.
   Porque, no fundo, viver com os neurônios totalmente sob controle é seguro… mas completamente sem graça.

   Dedicado ao caos químico que me derrubou com um emoji"…


sexta-feira, 13 de junho de 2025

Encontro poético : Duas Almas…

 


     O palco repousa em um vazio solene.
    No centro, um piano de cauda banhado por luz azulada, como se o próprio tempo o iluminasse.       
    Uma névoa suave paira no ar... como um véu de música suspenso.

    Surge...
    Uma mulher à frente do seu tempo. "Chiquinha Gonzaga" que caminha como quem desliza sobre partituras, a saia longa ondulando ao compasso dos passos. 
     Senta em frete ao piano, fecha os olhos e toca, abrindo um portal no tempo. Uma valsa se desenha no improviso.

    Chiquinha respira fundo, sussurrando ao piano...  - Há notas que só aparecem quando o silêncio confia na gente.

    A melodia muda. No canto escuro do palco, Elis Regina se manifesta como um relâmpago. Os cabelos curtos, e seus gestos elétricos.
    Entre elas, o tempo se curva. Nunca se viram, mas se reconhecem.

    Elis, com os olhos marejados de lembranças, se aproxima sem pressa...  
     - Essa valsa, Chiquinha… Tem cheiro de jasmim e coragem. Você a compôs ou nasceu da saudade?

    Chiquinha responde, o olhar perdido na música... - Foi a saudade que me compôs. Cada tecla que toquei foi um gesto que me negaram. Você canta como quem morde o mundo e chora depois… Cantou “Como Nossos Pais” e nunca mais saiu do peito do brasileiro.

    - Eu canto pra não explodir. Canto pra não calar. Minha garganta tem a força de um rio represado… Você, Chiquinha, é eterna. “Ó Abre Alas” abriu caminhos pra mim, e eu nem sabia.

    Chiquinha sorri, com ternura e dor. Abrir alas dói. Tive que partir pra não ser partida. Fui mulher, compositora, instrumentista, regente. A primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Mas o que me deu mais orgulho foi ser abolicionista… O que para muitos era meu pecado.

    Elis, os olhos cheios de emoção...  - Você era sinfonia num tempo que só aceitava marcha. E ainda assim… fez carnaval. Você é piano com alma de tamborim.

    Ela continua, embalando as palavras... - Me contaram que você enfrentou o mundo pra tocar sua música. Abandonou marido, rompeu com a família… Pra viver de arte!

    - E me chamaram de desavergonhada, subversiva, mulher sem modos. Mas fiz meu carnaval… E você? Cantou com o coração exposto e deixou seus fãs de peito aberto… Você sempre foi trovão com voz de colibri. Na sua boca, Elis, até a lágrima tem afinação.

    - Ah, Chiquinha… O palco era minha trincheira. Eu cantava como quem grita. E gritei tanto, que às vezes a alma se despedaçava.

    - É o preço de ser mulher e artista. A gente canta, mas o mundo quer nos calar. Compus marchas para libertar escravos, quando ninguém achava que música era lugar de protesto.

    - É sempre assim. Quando a mulher ergue a voz, dizem que é histeria. Quando é homem, chamam de gênio revolucionário.

    Elis ri, emocionada...  - Mas a gente não se calou, Chiquinha. Você tocou piano nos becos, eu samba na censura. Fizemos da música um ato de resistência.

    O silêncio se torna melodia. Elis se aproxima do piano. Chiquinha cede espaço, como quem passa um bastão invisível.

    Elis toca uma nota suave... - Às vezes eu achava que morri cedo demais… Mas aqui, contigo, parece que cheguei no tempo certo. Talvez o tempo seja só uma clave diferente.

    Chiquinha lança o olhar para longe... - O tempo é uma pauta onde Deus compõe em segredo. A gente só decifra quando morre cantando.

    Elas tocam e cantam. A melodia nasce entre modinhas e tempestades, partituras escondidas no peito. Com o piano ainda vibrando, Chiquinha murmura... 

     - Nos encontramos na música, Elis… Assim ninguém nos julga, só nos escuta.
     Elis responde com voz de luz... - E quem escuta… nos ama.

    Os olhares se perdem nas poltronas vazias na plateia, e decidem caminhar juntas em silencio por alguns instantes, pelo palco, poetizando pensamentos e quando voltam até o piano. Chiquinha inicia uma nova melodia. Elis improvisa um canto entre samba, valsa e lamento. Um tom maior, pra desafinar menos na tristeza e soar mais bonito na lembrança.

    A luz do palco se apaga lentamente, enquanto o som do piano continua… tocado por mãos invisíveis.

   Uma última nota ecoa, longa como um abraço entre elas. Não foi só um encontro. Foi uma celebração.


     Por Alfredo Guilherme

domingo, 8 de junho de 2025

Quando eu digo…


   
    Quando eu digo que eu quero com você em uma atmosfera poética e onírica, não é sobre palavras difíceis.

     É só o jeito mais bonito que eu encontrei de dizer que o que eu desejo entre a gente, não cabe nas fórmulas prontas do mundo.

     Não quero um amor cronológico, com mensagens marcadas, de boas noites automáticas e promessas feitas com pressa.

     Quero…que cada detalhe desse amor tenha uma delicadeza que convida à contemplação, que se sinta como um domingo de manhã, um silêncio que não pesa, um olhar que diz tudo sem precisar ensaiar.

     Quando eu falo “poético”,
é porque eu quero que a gente se toque não só com as mãos, mas com palavras sussurradas, Com gestos que não precisam legenda.

      Poético é deixar que o outro veja a alma descabelada, o riso torto, e a fragilidade bonita de quem não finge ter força o tempo todo.

      E quando eu falo em “onírico”, é porque eu quero que a gente flutue em sonho.
      Não pra fugir do mundo, mas pra criar um cantinho só nosso.
      Onde o tempo desacelera e os detalhes viram eternidade.

      É isso.
      Eu só quero um amor que abrace o invisível, que respeite o mistério, que escolha a ternura mesmo quando a vida for tempestade.

      Eu não quero promessas.
      Quero poesia em forma de presença.
      Quero sonho e caminhar com os pés no chão, mas com o coração nas nuvens.

      Quando eu digo isso tudo...
      É só porque, eu acredito que o amor mesmo quando é real se deixa atravessar por um pouco de magia.

       E é isso que eu quero com você.


       Por Alfredo Guilherme 

   “ Nem todo amor precisa ser explicado.
    Alguns só precisam ser sentidos com poesia e um pouco de sonho.”