sexta-feira, 13 de junho de 2025

Encontro poético : Duas Almas…

 


     O palco repousa em um vazio solene.
    No centro, um piano de cauda banhado por luz azulada, como se o próprio tempo o iluminasse.       
    Uma névoa suave paira no ar... como um véu de música suspenso.

    Surge...
    Uma mulher à frente do seu tempo. "Chiquinha Gonzaga" que caminha como quem desliza sobre partituras, a saia longa ondulando ao compasso dos passos. 
     Senta em frete ao piano, fecha os olhos e toca, abrindo um portal no tempo. Uma valsa se desenha no improviso.

    Chiquinha respira fundo, sussurrando ao piano...  - Há notas que só aparecem quando o silêncio confia na gente.

    A melodia muda. No canto escuro do palco, Elis Regina se manifesta como um relâmpago. Os cabelos curtos, e seus gestos elétricos.
    Entre elas, o tempo se curva. Nunca se viram, mas se reconhecem.

    Elis, com os olhos marejados de lembranças, se aproxima sem pressa...  
     - Essa valsa, Chiquinha… Tem cheiro de jasmim e coragem. Você a compôs ou nasceu da saudade?

    Chiquinha responde, o olhar perdido na música... - Foi a saudade que me compôs. Cada tecla que toquei foi um gesto que me negaram. Você canta como quem morde o mundo e chora depois… Cantou “Como Nossos Pais” e nunca mais saiu do peito do brasileiro.

    - Eu canto pra não explodir. Canto pra não calar. Minha garganta tem a força de um rio represado… Você, Chiquinha, é eterna. “Ó Abre Alas” abriu caminhos pra mim, e eu nem sabia.

    Chiquinha sorri, com ternura e dor. Abrir alas dói. Tive que partir pra não ser partida. Fui mulher, compositora, instrumentista, regente. A primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Mas o que me deu mais orgulho foi ser abolicionista… O que para muitos era meu pecado.

    Elis, os olhos cheios de emoção...  - Você era sinfonia num tempo que só aceitava marcha. E ainda assim… fez carnaval. Você é piano com alma de tamborim.

    Ela continua, embalando as palavras... - Me contaram que você enfrentou o mundo pra tocar sua música. Abandonou marido, rompeu com a família… Pra viver de arte!

    - E me chamaram de desavergonhada, subversiva, mulher sem modos. Mas fiz meu carnaval… E você? Cantou com o coração exposto e deixou seus fãs de peito aberto… Você sempre foi trovão com voz de colibri. Na sua boca, Elis, até a lágrima tem afinação.

    - Ah, Chiquinha… O palco era minha trincheira. Eu cantava como quem grita. E gritei tanto, que às vezes a alma se despedaçava.

    - É o preço de ser mulher e artista. A gente canta, mas o mundo quer nos calar. Compus marchas para libertar escravos, quando ninguém achava que música era lugar de protesto.

    - É sempre assim. Quando a mulher ergue a voz, dizem que é histeria. Quando é homem, chamam de gênio revolucionário.

    Elis ri, emocionada...  - Mas a gente não se calou, Chiquinha. Você tocou piano nos becos, eu samba na censura. Fizemos da música um ato de resistência.

    O silêncio se torna melodia. Elis se aproxima do piano. Chiquinha cede espaço, como quem passa um bastão invisível.

    Elis toca uma nota suave... - Às vezes eu achava que morri cedo demais… Mas aqui, contigo, parece que cheguei no tempo certo. Talvez o tempo seja só uma clave diferente.

    Chiquinha lança o olhar para longe... - O tempo é uma pauta onde Deus compõe em segredo. A gente só decifra quando morre cantando.

    Elas tocam e cantam. A melodia nasce entre modinhas e tempestades, partituras escondidas no peito. Com o piano ainda vibrando, Chiquinha murmura... 

     - Nos encontramos na música, Elis… Assim ninguém nos julga, só nos escuta.
     Elis responde com voz de luz... - E quem escuta… nos ama.

    Os olhares se perdem nas poltronas vazias na plateia, e decidem caminhar juntas em silencio por alguns instantes, pelo palco, poetizando pensamentos e quando voltam até o piano. Chiquinha inicia uma nova melodia. Elis improvisa um canto entre samba, valsa e lamento. Um tom maior, pra desafinar menos na tristeza e soar mais bonito na lembrança.

    A luz do palco se apaga lentamente, enquanto o som do piano continua… tocado por mãos invisíveis.

   Uma última nota ecoa, longa como um abraço entre elas. Não foi só um encontro. Foi uma celebração.


     Por Alfredo Guilherme

domingo, 8 de junho de 2025

Quando eu digo…


   
    Quando eu digo que eu quero com você em uma atmosfera poética e onírica, não é sobre palavras difíceis.

     É só o jeito mais bonito que eu encontrei de dizer que o que eu desejo entre a gente, não cabe nas fórmulas prontas do mundo.

     Não quero um amor cronológico, com mensagens marcadas, de boas noites automáticas e promessas feitas com pressa.

     Quero…que cada detalhe desse amor tenha uma delicadeza que convida à contemplação, que se sinta como um domingo de manhã, um silêncio que não pesa, um olhar que diz tudo sem precisar ensaiar.

     Quando eu falo “poético”,
é porque eu quero que a gente se toque não só com as mãos, mas com palavras sussurradas, Com gestos que não precisam legenda.

      Poético é deixar que o outro veja a alma descabelada, o riso torto, e a fragilidade bonita de quem não finge ter força o tempo todo.

      E quando eu falo em “onírico”, é porque eu quero que a gente flutue em sonho.
      Não pra fugir do mundo, mas pra criar um cantinho só nosso.
      Onde o tempo desacelera e os detalhes viram eternidade.

      É isso.
      Eu só quero um amor que abrace o invisível, que respeite o mistério, que escolha a ternura mesmo quando a vida for tempestade.

      Eu não quero promessas.
      Quero poesia em forma de presença.
      Quero sonho e caminhar com os pés no chão, mas com o coração nas nuvens.

      Quando eu digo isso tudo...
      É só porque, eu acredito que o amor mesmo quando é real se deixa atravessar por um pouco de magia.

       E é isso que eu quero com você.


       Por Alfredo Guilherme 

   “ Nem todo amor precisa ser explicado.
    Alguns só precisam ser sentidos com poesia e um pouco de sonho.”



sexta-feira, 6 de junho de 2025

Imagine… Ainda sou um sonhador…



      Vamos imaginar John Lennon hoje, mais velho, olhando para o mundo com os mesmos olhos sonhadores mas agora mais maduros, talvez um pouco mais céticos, porém ainda cheio de esperança.
    Imagine”, foi escrita por Lennon, que hoje seria um septuagenário, que veria o mundo mudar, melhorar em partes... e também infelizmente repetir seus velhos erros.

    Eu imagino ainda sou um sonhador…

    Sabe...
    Quando escrevi Imagine, eu achava que estava pedindo demais.
     Um mundo sem fronteiras, sem guerra, sem fome, sem ganância...
     Parecia impossível.
     Mas, veja bem... metade do impossível já aconteceu.

     Hoje, as pessoas falam com quem quiserem, em qualquer lugar do mundo, segurando um pedaço de tecnologia nas mãos.
     O amor atravessa oceanos em segundos.
     A música não tem mais dono, nem país  é de quem sente.
     Parece pouco... mas é muito.

     A outra metade... Bom, essa ainda tropeça no ego, na vaidade, na necessidade absurda de fazer guerra e ter razão em vez de ter paz.
     O velho jogo de quem grita mais alto, de quem acumula mais, de quem ergue muros...
     Quando, no fundo, todo mundo sabe que vai embora do mesmo jeito.
despido de tudo, menos do que plantou no coração dos outros.

     Se eu escrevesse Imagine hoje, talvez não pedisse pra imaginar um mundo sem posses...
     Já entendi que alguns ainda precisam delas pra se sentirem alguém.
     Nem um mundo sem religião...
     Porque vi que, pra muita gente, é ela que segura a alma quando tudo desaba.

     Hoje eu John Lennon diria… Imagine...

     Um mundo onde as posses não valem mais que as pessoas.
     Onde a fé não divide ela acolhe.
     Onde as fronteiras existem, sim...
     Mas só no mapa não no peito e na alma.

     Imagine menos discurso e mais escuta.
     Menos dedo apontado e mais mão estendida.
     Menos "eu tenho razão" e mais "me conta quero saber mais é aí do seu lado".

      Sabe...
     O sonho não acabou. Ele só ficou mais simples.
     Mais pé no chão. Menos utopia, mais prática.
     Amar quem tá perto, cuidar de quem se ama.

      E não esquecer que, no fim, a vida inteira cabe num abraço sincero.

      Imagine…então…


           Por Alfredo Guilherme 


segunda-feira, 2 de junho de 2025

Crônica : "A Vida Antes da Vida"…

 



       E se essa vida, a que chamamos de real, for apenas o estágio probatório da alma? Um tipo de cursinho intensivo, com provas surpresa, trabalhos em grupo desastrosos e aquele professor invisível que nunca dá a resposta certa, só mais perguntas? E se esta vida com seus dias cansados, alegrias fugidias, filas demoradas, amores mal curados e cafés que esfriam antes da primeira pausa for apenas um ensaio? Um grande teste de empatia, uma oficina de humanidade?  
      Talvez não sejamos o produto final, mas o rascunho. O esboço borrado de algo que ainda está em formação. Como barro nas mãos de um tempo silencioso que nos molda sem pressa, com cada perda, com cada recomeço.
      Às vezes me pergunto se não estamos todos em um tipo de treinamento, como astronautas confinados numa base de simulação. A diferença é que aqui, ao invés de macacões prateados, tipo usado na NASA, vestimos contas a pagar, ansiedades, medos antigos e sorrisos que tentam não desmanchar. 
      E se, na verdade, a nossa verdadeira "identidade" estiver guardada para depois, numa outra vida, numa outra frequência, quando finalmente formos diplomados em empatia, coragem e paciência? Onde seremos, enfim, aquilo que só sonhamos ser por aqui? Imagina só… essa existência seria um grande ensaio, onde errar faz parte do script, onde chorar no palco não cancela a peça. 
      A gente aprende, reaprende, desaprende. Cada queda seria uma chamada oral da vida perguntando: "E aí, vai desistir ou tentar de novo?" Talvez os que mais sofrem aqui, sejam os mais prontos. Talvez aqueles que sentem demais, que tropeçam mais do que andam, estejam só adiantando a matéria. 
      E aí, um dia, quando o sinal tocar pela última vez, nos chamam pela lista não mais com nome de batismo, mas com o nome que forjamos em silêncio, no escuro, entre as dores e as pequenas alegrias. Um nome que só o universo sabe. 
      E ali, enfim, não seremos mais uma versão “Beta” e sim uma versão “Premium” de nós mesmos. Seremos inteiros. E verdadeiros. Sem máscaras. Sem provas. Sem medo da próxima etapa. E se for isso? Se viver for só um longo preparo... para aprender, com todas as falhas e belezas, quem a gente nasceu pra ser? 

      Após você acabar de ler, essa crônica, convido você a olhar com outros olhos para as suas quedas, para os seus medos, para as suas pequenas vitórias silenciosas. Independente de credo ou religião. Talvez você descubra, como eu, que viver é mais sobre a travessia do que sobre a chegada. Que ser inteiro é um exercício diário. E que, no fim, o que importa mesmo não é passar no teste... é o quanto a gente amou tentando.


        Por Alfredo Guilherme 



domingo, 1 de junho de 2025

Stand-up de Letras : Tatuagem… Manual de Instruções Não Incluso

 


      Cacete !!!… que loucura, é essa ? As pessoas estão fazendo tatuagem hoje como quem pede um combo de lanche no drive-thru. Uma atrás da outra, sem respirar, sem pensar, sem nem saber... o que raios significa aquilo que estão gravando na própria pele. E sem cerimônia pede..  Ah, me vê também uma fênix no antebraço, uma palavra em sânscrito na costela e um raio minimalista atrás da orelha… Pago a vista no Pix, tá?

      E eu não tô aqui pra criticar, não! Eu acho bonito... na pele dos outros, inclusive. Tatuagem é arte, é expressão. Mas... precisa ter pelo menos uma ideia clara, do que você vai pedir para tatuar, né? Imagino na sua velhice o seu bisneto garotinho ainda, tentando soletrar em meio as suas “pelancas” o que foi escrito, muitos, muitos anos atrás.

   A galera faz umas escritas tão aleatórias... que eu juro, já joguei no Tradutor e no Google Lens, no Deep Web…Até na Inteligência Artificial, e o que voltou foi só… erro 404: “Significado não encontrado.”

     Tentei de todas as formas, e sabe quem acabou me dando pelo menos uma satisfação ?…  A “Siri” no meu iPhone… Desculpe, mais não entendi… essa porra ? De escrita...”

      E o mais curioso é que nem eles sabem o que fizeram e quando pergunta pra pessoa? É sempre essa resposta…
    “- Ah... então... significa... tipo... é uma coisa muito minha... é... sabe... conexão... energia... ressignificar... Entendeu !!!”

   - Não. Não mesmo. Nem você sabe. E, garanto, que nem o tatuador sabia. Ele só desenhou, tatuou, sorriu e pensou… “ Que se foda… É… Mais um boleto pago.”

       A real é que tatuagem virou uma espécie de legenda da vida. Porque hoje ninguém tá dando conta de processar o que sente... E é nesse momento que… Bate na cabeça uma ideia de jerico, ( fazer burrada) Aí você sente no peito... imprime na pele. Tá faltando terapia e sobrando máquina de tatuar…

    Momento de reflexão distintos leitores…

    E não é que eu seja contra, não. Eu entendo e aprovo aquela feita com amor, a quem amamos…A vida tá difícil, o mundo tá maluco... Tem gente que olha no espelho e pensa… “Não tô entendendo nada da minha existência... Vou tatuar no braço uma coisa e escrever um negócio… pra eu lembrar quem sou.”

       E no dia seguinte !!! … A voz do tatuador… “Quer a frase em inglês, árabe ou idioma inventado?”

    E pior que tem gente com tanta tatuagem que daqui a pouco esse “ser humano tatuado” vai precisar andar com QR Code na testa. A curiosidade alheia, chega perto, escaneia e lê…
“Essa “Borboleta” representa minha fase de superação pós-chifre, e o término, do meu relacionamento, agora já essa “frase” em japonês significa ‘fé’ (ou yakisoba, ainda não sei), não pesquisei a tradução, e esse “ Infinito” na ponta do dedo... é porque eu pago boleto todo mês. E significa… “Infinito Sofrimento.”

    Não tem jeito... sabe porque ?…  A tatuagem virou um grito de liberdade na pele. Porque tem muita coisa que a gente não tá conseguindo resolver por  dentro. jogamos pra fora... desenhado e tatuando.

    E eu entendo, juro que entendo... porque tá difícil encontrar alguém, com a saúde mental em dia.

     Só acho que a vida já nos deixa cicatriz de graça... não precisamos parcelar distribuindo tatuagem, pelo nosso corpo. 

     Vou … Parar  por aqui… E se você ama se tatuar sei que lá no fundo certamente deve estar pensando…“Caramba, não é que em certos detalhes ele tem razão...”


      Por Alfredo Guilherme 


sexta-feira, 30 de maio de 2025

Stand up de letras : A Ditadura da Cadeira


      Queridos leitores… vocês já perceberam que a cadeira é o objeto que mais controla a nossa vida?
      É sério! A cadeira é tipo aquele ex que te larga, mas te persegue, tá em todo lugar!

     Vivemos sentados.. Você nasce...  no colo da mãe. crescemos na carteira escolar, trabalhamos na cadeira giratória do escritório... e, se der sorte, ao se aposentar, terminamos na cadeira de balanço.

      Mas se bobear... terminamos sim naquelas cadeiras de rodas... que é tipo a versão hard da cadeira de balanço.
      Você deve estar achando que eu estou fazendo humor negro…Não é tá? É humor ortopédico.

      E é impressionante como a relação com a cadeira muda conforme a idade.

        A cadeira é um pedaço do mundo que a gente carrega para o conforto das nádegas…. Isso todos nós sabemos… Uma prisão confortável, mas ainda assim... é uma prisão.

     A criança senta... e não para sentada. A cadeira, pra ela, é trampolim de energia. É navio pirata. É torre de comando.
     Levanta a cada três minutos, porque o corpo dela sabe o que o cérebro adulto esqueceu… Que se "Mexer é viver".

     O adolescente senta meio torto, de lado, escorrendo da cadeira, desafiando a própria coluna. Levanta pra abrir a geladeira. Fecha. Abre de novo. Fecha.
     Levanta pra checar o celular... De preferência no banheiro longe do olhos dos pais. É um levanta mental, ou seja mente agitada, corpo largado…
 o adolescente... ele não senta, ele derrete não na cadeira, mais sim no sofá.

     O adulto... ah !!... o adulto senta na cadeira... esquece de levantar. 

      Senta pra trabalhar em casa home office, pra comer, pra dirigir, pra esperar uma consulta... Até em um voo de ferias.
      Levanta? Só quando a lombar reclama ou melhor grita…
      Cadeira pro adulto é tipo casamento antigo… “Não é confortável... mas já que tô aqui, fico aqui mesmo.”

      Você pega  as crianças no colégio! Corre pro mercado! Tá atrasado pro  trabalho… E nesse caso levantar, não é lazer. É missão.

        no final do dia... relaxa... como? Sentado no sofá! 
       Deixe eu dizer uma coisa…Maratonar assistindo Netflix, não é atletismo, Brasil !!!!

       E o idoso? Já olha a cadeira com mais respeito… Dá aquele gemido passivo-agressivo…O idoso não levanta, ele negocia. Levantar é um ritual sagrado.

       Apoia aqui... ajeita ali... dá aquela balançada no corpo...
       Conta... UM... DOIS... e VAI !... Levantou? Aleluia! Palmas pro quadril que não reclamou !

       E sabe qual é a parte mais cruel?... A gente só percebe que ficou muito tempo sentado... quando tenta levantar e parece que esquecemos de lubrificar o joelho.
      O joelho faz aquele barulho de porta velha: "NHEEEEEEEE"

      Mas, no fundo, a cadeira só revela o que a idade faz com a gente.

      Então, gente... fica aqui meu conselho… Se você não faz caminhada ou não frequenta uma academia... 

       Levanta da cadeira. Dá uma voltinha.
       Nem que seja pra dar uma volta... na cadeira. 
Porque, no fundo, quem se levanta da cadeira também se levanta um pouco da própria rotina.

       Inclusive... vou encerrar, esse texto porque meu ciático tá começando a reclamar. Fui…!!!!


          Por Alfredo Guilherme 


domingo, 25 de maio de 2025

Crônica poética : Mesa para dois….





      Não é sonho nem alucinação é apenas o universo cansado de ver tanta poesia morando sozinha, reuniu dois solitários de pensamentos poéticos.
     Um com seu terno de saudades mineiras da cidade de Itapira 'Carlos Drummond de Andrade' a outra vestida de silêncio e tempestade, entre o Atlântico e a memória de abismos da cidade de  Boston, 'Sylvia Plath', um encontro improvável  desses que só a literatura permite. Aconteceu numa dobra do tempo, onde o relógio bate versos ao invés de horas. 

     Era fim de tarde, aquele horário em que os poetas costumam bocejar existencialismo. No Café Metáfora, uma pequena cafeteria no meio de lugar nenhum, Drummond já estava sentado, mexendo o café com a colher como quem está remoendo lembranças de Itabira.

      Ao lado de sua mesa, chega Sylvia, trazendo um caderno nas mãos e um inverso no olhar de quem já atravessou todas as tempestades internas e ainda assim passou batom. Ela se senta. Drummond ajeita os óculos. A troca de olhares entre eles já é um poema.

     - Sylvia, a vida anda tão concreta… suspirou ele, com aquela voz de pedra.

     - E a minha ainda anda tão cheia de gás tóxico que me estreitou a vida… responde ela, com um sorrisinho ácido… - Mas dizem que foi só uma fase, a outra eu poetizei.

     O garçom trouxe dois cafés, o dela forte, o dele amargo e morno, como suas emoções reprimidas desde 1930.

        - Há esses cafés Sylvia, que cheiram manhãs de mãe, lembram promessas esquecidas, cafés que despertam a alma, que embriagam o coração. Há cafés que não se bebem, se choram.


     - Você escreve pra entender o mundo, Carlos?

     - Escrevo pra suportar o que existe nele. E você?

     - Escrevo pra explodir sem fazer barulho. Às vezes, dá certo. Às vezes, vira livro.

     Drummond observa Sylvia, e pensa que talvez seja isso mesmo, algumas almas nascem com uma flor no peito e um incêndio para apagar pelo caminho.

      Ele, acostumado à timidez das palavras. Ela, íntima da fúria que rima com amor.

       Ambos com pedras no meio do caminho e os cacos da alma na escrita.
       Ele observa, e ela confessa.
       - Seriamos um casal literário que se amaria por carta e se separaria por excesso de lucidez.

      - Realmente… Sabe, Sylvia, eu carreguei uma pedra que encontrei no meio do meu caminho. E você?

      - Eu carreguei todas pelo caminho inteiro. E no final, acredite, tropecei em mim.

      Ficaram em silêncio por uns minutos. Ele olhando pela janela, ela encarando a xícara na mão. Assim mesmo estavam mais conectados do que dois corpos nus. Porque há conexões que só a dor entende.

      - Carlos, e se a vida for só isso mesmo? Esse eterno ensaio para um poema que nunca termina?

      - Então Sylvia, que a gente siga ensaiando. Com uma rima pobre, mas com sentimento nobre.

      Ela sorri. Ele também. Pela primeira vez, a solidão de Drummond parece menos pesada. E o vazio de Sylvia, mais habitável.

      Levantam-se… A conta já estava paga  por algum leitor sensível do universo literário.

      Ela sai pela porta e desaparece num verso sombrio. Ele volta à calçada, com vontade de escrever sobre essa romancista americana, mulher que se escondeu da depressão, como quem escreve cartas de amor.

      E o mundo, coitado, continuou girando, sem notar que, antes dele se eternizar solitário, sentado em um banco na praia de Copacabana, instantes antes, a poesia havia sentado para tomar um café… E ele escreveu.

      Quero que me encontrem. Assim… 

      Com os olhos úmidos a boca em silêncio, 

      E o coração, fumegando.



      Por Alfredo Guilherme 



quinta-feira, 22 de maio de 2025

Facetas Pretas…


     A pele negra é um poema que se escreve com a luz. É uma tela de histórias, um espelho de ancestralidade, um manifesto de força. Mas, acima de tudo, é beleza. Beleza que não pede licença, que ocupa espaço, que existe em todas as suas formas.

     Há quem tente defini-la, limitá-la a um padrão estreito. Mas quem conhece a alma preta sabe que suas facetas são múltiplas. São rostos distintos, expressões marcantes, sorrisos largos. É o brilho que não se apaga, a presença que não se esconde, o caminhar que carrega séculos de resistência e orgulho.

    Nos cabelos crespos que desafiam a gravidade, há galáxias inteiras de histórias. Nos olhos profundos, há a verdade de quem viveu, sonhou e conquistou. Nos lábios cheios, há risos que ecoam como cantos de liberdade.

    Facetas pretas são arte viva. São o passado que pulsa no presente. São o futuro que brilha sem pedir permissão.

    Porque ser preto é carregar uma beleza que transcende o olhar. É saber que cada traço, cada tom, cada curva é uma celebração da própria existência.

    E, se há quem ainda tente ignorar, é porque não aprendeu a enxergar para além do que vê. Porque a pele preta não é apenas cor. É significado, é potência. É luz própria.

    A verdadeira beleza não está no que se observa superficialmente, mas na profundidade de suas facetas. Facetas pretas. Facetas vivas. Facetas eternas.


 
Por Alfredo Guilherme




quarta-feira, 21 de maio de 2025

Fomes Noturnas… Corpos Afins…



          Existem noites em que sem explicações não procuramos alguém…  procuramos um eco para nossos desejos.

    Um calor que ressoe na pele como se dissesse… "Entendo sua solidão sem que você precise explicar." 

     E então, saímos a procura, não atrás do amor eterno, mas de um instante que nos sacie a fome mais antiga de ser tocado com verdade, mesmo que por pouco tempo.

     Nos becos quentes da madrugada ou nas luzes frias do celular em aplicativos, de relacionamento, os corpos se buscam. Como se fossem bússolas desorientadas girando sem norte, mas que, por algum feitiço do desejo, encontram-se, encaixam-se, reconhecem-se.

    Porque há um tipo de encontro que não pergunta de onde viemos, nem para onde vamos, apenas pergunta…  “Você, também está com sede de amor ?” E a resposta vem em beijos urgentes, em silêncios compartilhados, em braços que apertam com a força de quem diz “Fica”, mesmo sabendo que o dia vai afastar a noite.

    Às vezes chamam isso de carência, mas pode ser só humanidade transbordando. O desejo não é só pele. É a alma gritando, “Quero ser olhada, sentida, ouvida, nem que for só por uma noite”.

     E mesmo quando o prazer se desfaz com o sol, o que fica não é o vazio, mas a memória do instante em que dois corpos tentaram ser abrigo um do outro. Tentaram, ainda que por um breve suspiro, encontrar respostas.

     Não há vergonha no desejo, nem erro em buscar calor onde há frio. Talvez, nessas noites errantes, a gente esteja só treinando o coração, tentando descobrir, entre tantos corpos, qual é aquele que, enfim, saberá nos saciar de verdade.


    Por Alfredo Guilherme 



terça-feira, 13 de maio de 2025

Crônica : Santuário do Amor Moderno…

     

      Onde mora o amor moderno?

     Num mundo onde os corações batem no compasso das notificações e os sentimentos se condensam em emojis, surge a pergunta… onde seria o "Santuário do amor moderno"?

     Talvez esteja ali, na aba de mensagens arquivadas, onde repousam conversas com quem já nos fez sorrir por horas seguidas e sumiu. Ou quem sabe num feed silencioso, onde seguimos a rotina de quem amamos de longe, aplaudindo vitórias com “likes” e vivendo saudades através de stories.

     O amor moderno não escreve cartas, mas edita mensagens antes de enviar. Ele apaga e reescreve, com medo de parecer intenso demais. É um amor que mede palavras, mas se sente intenso. Que diz “Bom dia” com figurinhas e “estou com saudade” por meio de uma música compartilhada do YouTube com legendas enigmáticas.  

     Nos encontramos por algoritmos e nos perdemos por falta de tempo ou excesso de distrações. O amor moderno mora em janelas divididas com mil abas abertas. Um olho na reunião, outro na mensagem que pode chegar. Ele é multitarefa, mas morre de saudade da exclusividade.

    E ainda assim, o amor sobrevive… Sobrevive entre áudios de três minutos, emojis mal interpretados e declarações feitas em silêncio, pelo simples ato de lembrar o momento com o outro, naquela imagem salva que visualizou no celular.

    Talvez o verdadeiro “Santuário do amor moderno” não esteja fora, mas dentro, num canto do peito onde a gente ainda acredita que pode ser amado sem filtros, sem edição, sem correção ortográfica. Onde alguém nos veja além do post bonito e queira saber da gente até no modo avião.

    Sim, o amor moderno é caótico. Mas também é resistente. Ele se esconde em detalhes sutis, pulsa entre distrações e resiste às conexões frágeis. Porque mesmo em um mundo visual, veloz e volátil, há quem ainda queira um amor que seja lar… e não só vitrine.

    E é nesse desejo de pertencimento que o santuário se revela… não em um templo, mas em um encontro entre dois olhares que, mesmo cansados de telas, ainda procuram o essencial… o toque, a escuta, o afeto sem prazo de validade.

    Esse é o amor moderno. Meio offline, meio digital. Mas inteiro quando encontra espaço para ser real.

    Mesmo sabendo que o mundo anda com pouca bateria emocional. 


     Por Alfredo Guilherme 


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Bocas Vermelhas...




       A madrugada é território de mistérios e promessas não ditas. No silêncio que se espalha pelas ruas desertas, há bocas vermelhas que te encontram sem aviso, sem medo, sem hesitação.

     A cidade dorme sob um véu de névoa e luzes difusas. O silêncio pulsa como um segredo guardado entre prédios e becos estreitos. No meio desse cenário, há bocas vermelhas que flutuam entre sonhos e ruas desertas, trazendo o calor de um beijo que atravessa a madrugada.

     O beijo chega quente, rouba o fôlego e dissolve o tempo. Não há passado, nem futuro... só o instante, só o toque, só o gosto que gruda na pele e nos pensamentos. Um convite ao delírio, ao desejo.

     Talvez sejam lembranças de um encontro fugaz, um desejo que se desenhou na penumbra e pode evaporar com o nascer do dia. Talvez sejam apenas ilusões, sombras do desejo projetadas na brisa noturna, envolvendo quem ousa caminhar sozinho pelas horas tardias.

     Mas quem já sentiu o toque de lábios encarnados quando o mundo adormece, sabe que não há amanhecer que apague esse instante. O gosto do beijo fica, como um vestígio ardente na pele, como um mistério sussurrado ao vento.

     E quando a cidade desperta, com o sol despontando no horizonte, tudo parece um delírio passageiro. Mas na profundidade do olhar, no leve arrepio que resiste ao tempo, lá estão elas essas mesmas bocas vermelhas uma delas vai te encontrar.

   

    Por Alfredo Guilherme


Crônica : Onde mora a empatia no cérebro?...

 


     O que acontece quando sentimos a dor do outro como nossa? Onde, exatamente, se esconde essa mágica capacidade de nos colocarmos no lugar do outro? A empatia, essa delicada ponte entre mentes e corações, habita regiões profundas do nosso cérebro, arquitetando sentimentos que nos fazem mais humanos.

     Imagine que a empatia mora em uma pequena casa dentro do cérebro, um espaço onde o córtex pré-frontal e as áreas límbicas se encontram para discutir emoções. É ali, na interação entre a ínsula e o córtex cingulado anterior, que nasce aquela sensação de identificação com o sofrimento e a alegria alheia. É quase como se tivéssemos uma bússola interna que nos guia entre afetos, guiada pelas neurociências e pela alma.

    Mas essa casa precisa ser habitada. A empatia não nasce pronta, como um móvel novo na sala. Ela é construída nos alicerces do aprendizado, alimentada por experiências, nutrida pela escuta e fortalecida pela convivência. Quando deixamos de praticá-la, sua morada pode se tornar uma casa abandonada, poeirenta e esquecida.

   Nos dias corridos, onde o imediatismo nos puxa para dentro de nós mesmos, será que lembramos de varrer a casa da empatia? De abrir suas janelas para ver o outro não como uma sombra, mas como alguém que respira, sonha e sente como nós?

   Que nunca deixemos a empatia se esconder nas profundezas do cérebro, presa entre sinapses desconectadas. Que ela seja sempre uma luz acesa, uma casa cheia de vida, onde todas as emoções tenham espaço para se encontrar.


      Por Alfredo Guilherme



quarta-feira, 7 de maio de 2025

Crônica :O Drama da Tristeza Contida...

 



     Ah, a tristeza... essa moradora clandestina do peito, que insiste em ficar mesmo sem convite. Mas sejamos francos, há um certo requinte em saber escondê-la, como um mágico que engole cartas sem ninguém perceber. Afinal, enquanto por dentro chove, por fora podemos manter o sol firme no horizonte.

    Nos dizem que é saudável deixar os sentimentos fluírem, que guardar tristeza faz mal. Mas quem nunca segurou um soluço em meio ao trabalho, disfarçando o abismo interior com um sorriso comercial? O ser que habita dentro de nós sabe que a liberdade e a alegria precisam de espaço. Ele respira fundo, joga a tristeza no porão e segue, porque já aprendeu que a vida não pede licença para continuar.

    Mas aqui está o dilema... Se esconder sentimentos fosse esporte olímpico, seríamos campeões, medalha de ouro. Engolimos o choro no ônibus, maquiamos o cansaço na reunião, e até conversamos sobre o tempo, fingindo que não estamos em uma tempestade interna digna de filme dramático.

    Claro que, vez ou outra, a tristeza dá um jeito de escapar numa lágrima furtiva, num suspiro profundo, na vontade inexplicável de ouvir música melancólica às três da madrugada. Mas sejamos sinceros se ela não escapa de vez em quando, quem daria valor ao riso solto e à gargalhada espontânea?

    E assim seguimos, equilibrando o grande teatro da vida, onde tristeza e alegria dançam juntas, sem jamais se deixarem atropelar.

    A Grande Sacada: Equilibrando Sentimentos...

    Mas há um certo charme em saber esconder os sentimentos, não é? A sociedade nos treinou para sermos atletas da contenção emocional. 

    Mas sejamos honestos... Esconder sentimentos o tempo todo seria cansativo demais. Quem nunca fingiu ser uma rocha inabalável, só para depois se perder em lágrimas com o sorvete derretendo nas mãos ou em um discurso filosófico com a pessoa amada ? O equilíbrio está em permitir que a alegria tenha espaço, mas sem prender a tristeza num cofre com cadeado.

    No fim, somos um belo espetáculo ambulante de emoções contidas e fugas dramáticas. E talvez, só talvez, seja isso que nos torne humanos de verdade.


      Por Alfredo Guilherme