quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Crônica : Confeitaria Íntima & Amores Confeitados...

 


      O amor deles tinha um defeito grave, era doce demais para caber só na imaginação. Eles eram um casal perigoso, não por ciúmes, não por brigas, mas porque jamais passaram um dia sem cometer um pequeno delito de gula amorosa.

      Tudo começou inocente. Um chocolate, um pudim aqui, um brigadeiro acolá, aquela mania de comer sobremesa antes do prato principal porque segundo eles “A vida é imprevisível demais pra deixar o melhor pro fim”.

     Mas ninguém imaginava que a relação deles com doces, literalmente, ia transbordar para outras áreas… Especialmente para o quarto, que sempre fora na visão geral um ambiente pacato, dedicado ao descanso, sono e ao silêncio... Até aquela sexta-feira… Quando eles levaram a confeitaria para dentro do próprio quarto.

     Não havia malícia explícita nisso apenas a teimosa convicção de que amor temperado com açúcar não engorda, só expande a alma.
E assim, decidiram transformar o quarto num templo gastronômico das emoções imprudentes.

     Era uma noite quente, dessas que fazem a gente questionar se realmente vale a pena ser adulto sem viver esses momentos. E pronto. A poesia do caos começou. 

     Ela entrou no quarto segurando uma bandeja com os ingredientes, como quem leva um segredo perigoso, um olhar de quem estava prestes a cometer poesia ou crime, às vezes as duas coisas ao mesmo tempo.

     - Amor, isso aqui vai dar errado... Devemos seguir receita?  Ela perguntou, com o cabelo preso com uma colher de sorvete.

     - Jamais seguir a receita... ele respondeu. - O amor não leva medidas, tudo que dá errado viram boas lembranças... ele respondeu, como um sábio totalmente irresponsável.

     Foi aí que o doce de leite encontrou um destino alternativo. Eles não se tocavam se provavam, como quem descobre sabores antigos escondidos na pele.

     Não estavam se amando nas preliminares se é sim se confeitizando. Era uma mistura de sedução e festa da uva, intercalando com goles de um encorpado vinho.

     A cama virou laboratório de confeitaria, um fio de calda escorrendo pelo travesseiro, um floco de chocolate com  chantilly, pousando no ombro dela como se fosse neve tropical, uma cereja teimosa que insistia em rolar para direções filosóficas. e molhadas de desejos.

     - Estamos parecendo dois confeiteiros sem diploma... ela riu, cheia de doce até na alma.
     - Somos dois apaixonados nosso amor é uma sobremesa performática... 
ele corrigiu... E quem é que discorda de um homem com doce de leite pelo corpo e com chantilly nos cantos dos lábios?

     A verdade é que havia algo profundamente humano e deliciosamente afetivo,  naquela bagunça açucarada. Eles eram adultos, sim, mas adultos que se permitiam se lamber e sugar, no meio da luxúria, e isso já era poesia suficiente.

     A cada toque, não era pele que encontravam, era sabor. A cada gargalhada, os corpos ganhava um novo ingrediente, uma nova lembrança pegajosa que ficaria impregnada na pele para se saciarem.

     Se amaram adocicados, já exaustos e com cheiro de confeitaria clandestina, continuaram abraçados no lençol que não veria um elogio da máquina de lavar. Em silêncio contemplaram o teto com a serenidade de missionários que cumpriram um ritual místico.

      - Amor… ela disse, com a voz doce demais para ser natural...  - Acho que inventamos a “Confeitaria Erótica”, você acha que existe limite, quando a gente ama alguém?

     - Claro que existe... ele disse.  - Só que a gente acabou de ultrapassar.

     Riram juntos, como cúmplices da própria maluquice adocicada. Adormeceram grudados, não pela paixão, mas porque doce de leite que endureceu mais rápido do que eles pensavam.

     E amanheceram com uma certeza nova. O amor, quando é bom, tem sempre gosto de sobremesa, e um pouco de sujeira poética pelo lençol como testemunha que ficou pra contar história.

     Bom !!!… Se isso não é amor, nada mais é.

     

     Por Alfredo Guilherme



4 comentários:

Anônimo disse...

Alfredo, seu texto é uma prova viva de que o amor, quando é grande demais, transborda para onde deveria ter essa festinha íntima sempre que possível… kkkk adorei o texto.

Anônimo disse...

Você escreveu um romance que não precisa de flores só de açúcar e coragem. No fundo, todo relacionamento deveria ter pelo menos uma noite assim, em que o corpo vira receita e o coração, o confeiteiro. Show seu texto.

Anônimo disse...

Achei lindo esse casal que não tem vergonha de se inventar, e de ser infantil no amor. É tão difícil encontrar alguém com quem a gente possa rir até sujar tudo. Seu texto me deu esperança, talvez o amor bom seja assim mesmo, uma receita que nunca fica igual, mas sempre vale a lambida.

Anônimo disse...

Nunca vi dois humanos tão dispostos a misturar afeto com confeitaria. Tomei nota de tudo e coloquei na porta da geladeira para minha esposa ler, e para iluminar futuras noites nossas para provar o amor e algumas guloseimas adocicadas kkkk