sexta-feira, 30 de maio de 2025

Stand up de letras : A Ditadura da Cadeira


      Queridos leitores… vocês já perceberam que a cadeira é o objeto que mais controla a nossa vida?
      É sério! A cadeira é tipo aquele ex que te larga, mas te persegue, tá em todo lugar!

     Vivemos sentados.. Você nasce...  no colo da mãe. crescemos na carteira escolar, trabalhamos na cadeira giratória do escritório... e, se der sorte, ao se aposentar, terminamos na cadeira de balanço.

      Mas se bobear... terminamos sim naquelas cadeiras de rodas... que é tipo a versão hard da cadeira de balanço.
      Você deve estar achando que eu estou fazendo humor negro…Não é tá? É humor ortopédico.

      E é impressionante como a relação com a cadeira muda conforme a idade.

        A cadeira é um pedaço do mundo que a gente carrega para o conforto das nádegas…. Isso todos nós sabemos… Uma prisão confortável, mas ainda assim... é uma prisão.

     A criança senta... e não para sentada. A cadeira, pra ela, é trampolim de energia. É navio pirata. É torre de comando.
     Levanta a cada três minutos, porque o corpo dela sabe o que o cérebro adulto esqueceu… Que se "Mexer é viver".

     O adolescente senta meio torto, de lado, escorrendo da cadeira, desafiando a própria coluna. Levanta pra abrir a geladeira. Fecha. Abre de novo. Fecha.
     Levanta pra checar o celular... De preferência no banheiro longe do olhos dos pais. É um levanta mental, ou seja mente agitada, corpo largado…
 o adolescente... ele não senta, ele derrete não na cadeira, mais sim no sofá.

     O adulto... ah !!... o adulto senta na cadeira... esquece de levantar. 

      Senta pra trabalhar em casa home office, pra comer, pra dirigir, pra esperar uma consulta... Até em um voo de ferias.
      Levanta? Só quando a lombar reclama ou melhor grita…
      Cadeira pro adulto é tipo casamento antigo… “Não é confortável... mas já que tô aqui, fico aqui mesmo.”

      Você pega  as crianças no colégio! Corre pro mercado! Tá atrasado pro  trabalho… E nesse caso levantar, não é lazer. É missão.

        no final do dia... relaxa... como? Sentado no sofá! 
       Deixe eu dizer uma coisa…Maratonar assistindo Netflix, não é atletismo, Brasil !!!!

       E o idoso? Já olha a cadeira com mais respeito… Dá aquele gemido passivo-agressivo…O idoso não levanta, ele negocia. Levantar é um ritual sagrado.

       Apoia aqui... ajeita ali... dá aquela balançada no corpo...
       Conta... UM... DOIS... e VAI !... Levantou? Aleluia! Palmas pro quadril que não reclamou !

       E sabe qual é a parte mais cruel?... A gente só percebe que ficou muito tempo sentado... quando tenta levantar e parece que esquecemos de lubrificar o joelho.
      O joelho faz aquele barulho de porta velha: "NHEEEEEEEE"

      Mas, no fundo, a cadeira só revela o que a idade faz com a gente.

      Então, gente... fica aqui meu conselho… Se você não faz caminhada ou não frequenta uma academia... 

       Levanta da cadeira. Dá uma voltinha.
       Nem que seja pra dar uma volta... na cadeira. 
Porque, no fundo, quem se levanta da cadeira também se levanta um pouco da própria rotina.

       Inclusive... vou encerrar, esse texto porque meu ciático tá começando a reclamar. Fui…!!!!


          Por Alfredo Guilherme 


domingo, 25 de maio de 2025

Crônica poética : Mesa para dois….





      Não é sonho nem alucinação é apenas o universo cansado de ver tanta poesia morando sozinha, reuniu dois solitários de pensamentos poéticos.
     Um com seu terno de saudades mineiras da cidade de Itapira 'Carlos Drummond de Andrade' a outra vestida de silêncio e tempestade, entre o Atlântico e a memória de abismos da cidade de  Boston, 'Sylvia Plath', um encontro improvável  desses que só a literatura permite. Aconteceu numa dobra do tempo, onde o relógio bate versos ao invés de horas. 

     Era fim de tarde, aquele horário em que os poetas costumam bocejar existencialismo. No Café Metáfora, uma pequena cafeteria no meio de lugar nenhum, Drummond já estava sentado, mexendo o café com a colher como quem está remoendo lembranças de Itabira.

      Ao lado de sua mesa, chega Sylvia, trazendo um caderno nas mãos e um inverso no olhar de quem já atravessou todas as tempestades internas e ainda assim passou batom. Ela se senta. Drummond ajeita os óculos. A troca de olhares entre eles já é um poema.

     - Sylvia, a vida anda tão concreta… suspirou ele, com aquela voz de pedra.

     - E a minha ainda anda tão cheia de gás tóxico que me estreitou a vida… responde ela, com um sorrisinho ácido… - Mas dizem que foi só uma fase, a outra eu poetizei.

     O garçom trouxe dois cafés, o dela forte, o dele amargo e morno, como suas emoções reprimidas desde 1930.

        - Há esses cafés Sylvia, que cheiram manhãs de mãe, lembram promessas esquecidas, cafés que despertam a alma, que embriagam o coração. Há cafés que não se bebem, se choram.


     - Você escreve pra entender o mundo, Carlos?

     - Escrevo pra suportar o que existe nele. E você?

     - Escrevo pra explodir sem fazer barulho. Às vezes, dá certo. Às vezes, vira livro.

     Drummond observa Sylvia, e pensa que talvez seja isso mesmo, algumas almas nascem com uma flor no peito e um incêndio para apagar pelo caminho.

      Ele, acostumado à timidez das palavras. Ela, íntima da fúria que rima com amor.

       Ambos com pedras no meio do caminho e os cacos da alma na escrita.
       Ele observa, e ela confessa.
       - Seriamos um casal literário que se amaria por carta e se separaria por excesso de lucidez.

      - Realmente… Sabe, Sylvia, eu carreguei uma pedra que encontrei no meio do meu caminho. E você?

      - Eu carreguei todas pelo caminho inteiro. E no final, acredite, tropecei em mim.

      Ficaram em silêncio por uns minutos. Ele olhando pela janela, ela encarando a xícara na mão. Assim mesmo estavam mais conectados do que dois corpos nus. Porque há conexões que só a dor entende.

      - Carlos, e se a vida for só isso mesmo? Esse eterno ensaio para um poema que nunca termina?

      - Então Sylvia, que a gente siga ensaiando. Com uma rima pobre, mas com sentimento nobre.

      Ela sorri. Ele também. Pela primeira vez, a solidão de Drummond parece menos pesada. E o vazio de Sylvia, mais habitável.

      Levantam-se… A conta já estava paga  por algum leitor sensível do universo literário.

      Ela sai pela porta e desaparece num verso sombrio. Ele volta à calçada, com vontade de escrever sobre essa romancista americana, mulher que se escondeu da depressão, como quem escreve cartas de amor.

      E o mundo, coitado, continuou girando, sem notar que, antes dele se eternizar solitário, sentado em um banco na praia de Copacabana, instantes antes, a poesia havia sentado para tomar um café… E ele escreveu.

      Quero que me encontrem. Assim… 

      Com os olhos úmidos a boca em silêncio, 

      E o coração, fumegando.



      Por Alfredo Guilherme 



quinta-feira, 22 de maio de 2025

Facetas Pretas…


     A pele negra é um poema que se escreve com a luz. É uma tela de histórias, um espelho de ancestralidade, um manifesto de força. Mas, acima de tudo, é beleza. Beleza que não pede licença, que ocupa espaço, que existe em todas as suas formas.

     Há quem tente defini-la, limitá-la a um padrão estreito. Mas quem conhece a alma preta sabe que suas facetas são múltiplas. São rostos distintos, expressões marcantes, sorrisos largos. É o brilho que não se apaga, a presença que não se esconde, o caminhar que carrega séculos de resistência e orgulho.

    Nos cabelos crespos que desafiam a gravidade, há galáxias inteiras de histórias. Nos olhos profundos, há a verdade de quem viveu, sonhou e conquistou. Nos lábios cheios, há risos que ecoam como cantos de liberdade.

    Facetas pretas são arte viva. São o passado que pulsa no presente. São o futuro que brilha sem pedir permissão.

    Porque ser preto é carregar uma beleza que transcende o olhar. É saber que cada traço, cada tom, cada curva é uma celebração da própria existência.

    E, se há quem ainda tente ignorar, é porque não aprendeu a enxergar para além do que vê. Porque a pele preta não é apenas cor. É significado, é potência. É luz própria.

    A verdadeira beleza não está no que se observa superficialmente, mas na profundidade de suas facetas. Facetas pretas. Facetas vivas. Facetas eternas.


 
Por Alfredo Guilherme




quarta-feira, 21 de maio de 2025

Fomes Noturnas… Corpos Afins…



          Existem noites em que sem explicações não procuramos alguém…  procuramos um eco para nossos desejos.

    Um calor que ressoe na pele como se dissesse… "Entendo sua solidão sem que você precise explicar." 

     E então, saímos a procura, não atrás do amor eterno, mas de um instante que nos sacie a fome mais antiga de ser tocado com verdade, mesmo que por pouco tempo.

     Nos becos quentes da madrugada ou nas luzes frias do celular em aplicativos, de relacionamento, os corpos se buscam. Como se fossem bússolas desorientadas girando sem norte, mas que, por algum feitiço do desejo, encontram-se, encaixam-se, reconhecem-se.

    Porque há um tipo de encontro que não pergunta de onde viemos, nem para onde vamos, apenas pergunta…  “Você, também está com sede de amor ?” E a resposta vem em beijos urgentes, em silêncios compartilhados, em braços que apertam com a força de quem diz “Fica”, mesmo sabendo que o dia vai afastar a noite.

    Às vezes chamam isso de carência, mas pode ser só humanidade transbordando. O desejo não é só pele. É a alma gritando, “Quero ser olhada, sentida, ouvida, nem que for só por uma noite”.

     E mesmo quando o prazer se desfaz com o sol, o que fica não é o vazio, mas a memória do instante em que dois corpos tentaram ser abrigo um do outro. Tentaram, ainda que por um breve suspiro, encontrar respostas.

     Não há vergonha no desejo, nem erro em buscar calor onde há frio. Talvez, nessas noites errantes, a gente esteja só treinando o coração, tentando descobrir, entre tantos corpos, qual é aquele que, enfim, saberá nos saciar de verdade.


    Por Alfredo Guilherme 



terça-feira, 13 de maio de 2025

Crônica : Santuário do Amor Moderno…

     

      Onde mora o amor moderno?

     Num mundo onde os corações batem no compasso das notificações e os sentimentos se condensam em emojis, surge a pergunta… onde seria o "Santuário do amor moderno"?

     Talvez esteja ali, na aba de mensagens arquivadas, onde repousam conversas com quem já nos fez sorrir por horas seguidas e sumiu. Ou quem sabe num feed silencioso, onde seguimos a rotina de quem amamos de longe, aplaudindo vitórias com “likes” e vivendo saudades através de stories.

     O amor moderno não escreve cartas, mas edita mensagens antes de enviar. Ele apaga e reescreve, com medo de parecer intenso demais. É um amor que mede palavras, mas se sente intenso. Que diz “Bom dia” com figurinhas e “estou com saudade” por meio de uma música compartilhada do YouTube com legendas enigmáticas.  

     Nos encontramos por algoritmos e nos perdemos por falta de tempo ou excesso de distrações. O amor moderno mora em janelas divididas com mil abas abertas. Um olho na reunião, outro na mensagem que pode chegar. Ele é multitarefa, mas morre de saudade da exclusividade.

    E ainda assim, o amor sobrevive… Sobrevive entre áudios de três minutos, emojis mal interpretados e declarações feitas em silêncio, pelo simples ato de lembrar o momento com o outro, naquela imagem salva que visualizou no celular.

    Talvez o verdadeiro “Santuário do amor moderno” não esteja fora, mas dentro, num canto do peito onde a gente ainda acredita que pode ser amado sem filtros, sem edição, sem correção ortográfica. Onde alguém nos veja além do post bonito e queira saber da gente até no modo avião.

    Sim, o amor moderno é caótico. Mas também é resistente. Ele se esconde em detalhes sutis, pulsa entre distrações e resiste às conexões frágeis. Porque mesmo em um mundo visual, veloz e volátil, há quem ainda queira um amor que seja lar… e não só vitrine.

    E é nesse desejo de pertencimento que o santuário se revela… não em um templo, mas em um encontro entre dois olhares que, mesmo cansados de telas, ainda procuram o essencial… o toque, a escuta, o afeto sem prazo de validade.

    Esse é o amor moderno. Meio offline, meio digital. Mas inteiro quando encontra espaço para ser real.

    Mesmo sabendo que o mundo anda com pouca bateria emocional. 


     Por Alfredo Guilherme 


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Bocas Vermelhas...




       A madrugada é território de mistérios e promessas não ditas. No silêncio que se espalha pelas ruas desertas, há bocas vermelhas que te encontram sem aviso, sem medo, sem hesitação.

     A cidade dorme sob um véu de névoa e luzes difusas. O silêncio pulsa como um segredo guardado entre prédios e becos estreitos. No meio desse cenário, há bocas vermelhas que flutuam entre sonhos e ruas desertas, trazendo o calor de um beijo que atravessa a madrugada.

     O beijo chega quente, rouba o fôlego e dissolve o tempo. Não há passado, nem futuro... só o instante, só o toque, só o gosto que gruda na pele e nos pensamentos. Um convite ao delírio, ao desejo.

     Talvez sejam lembranças de um encontro fugaz, um desejo que se desenhou na penumbra e pode evaporar com o nascer do dia. Talvez sejam apenas ilusões, sombras do desejo projetadas na brisa noturna, envolvendo quem ousa caminhar sozinho pelas horas tardias.

     Mas quem já sentiu o toque de lábios encarnados quando o mundo adormece, sabe que não há amanhecer que apague esse instante. O gosto do beijo fica, como um vestígio ardente na pele, como um mistério sussurrado ao vento.

     E quando a cidade desperta, com o sol despontando no horizonte, tudo parece um delírio passageiro. Mas na profundidade do olhar, no leve arrepio que resiste ao tempo, lá estão elas essas mesmas bocas vermelhas uma delas vai te encontrar.

   

    Por Alfredo Guilherme


Crônica : Onde mora a empatia no cérebro?...

 


     O que acontece quando sentimos a dor do outro como nossa? Onde, exatamente, se esconde essa mágica capacidade de nos colocarmos no lugar do outro? A empatia, essa delicada ponte entre mentes e corações, habita regiões profundas do nosso cérebro, arquitetando sentimentos que nos fazem mais humanos.

     Imagine que a empatia mora em uma pequena casa dentro do cérebro, um espaço onde o córtex pré-frontal e as áreas límbicas se encontram para discutir emoções. É ali, na interação entre a ínsula e o córtex cingulado anterior, que nasce aquela sensação de identificação com o sofrimento e a alegria alheia. É quase como se tivéssemos uma bússola interna que nos guia entre afetos, guiada pelas neurociências e pela alma.

    Mas essa casa precisa ser habitada. A empatia não nasce pronta, como um móvel novo na sala. Ela é construída nos alicerces do aprendizado, alimentada por experiências, nutrida pela escuta e fortalecida pela convivência. Quando deixamos de praticá-la, sua morada pode se tornar uma casa abandonada, poeirenta e esquecida.

   Nos dias corridos, onde o imediatismo nos puxa para dentro de nós mesmos, será que lembramos de varrer a casa da empatia? De abrir suas janelas para ver o outro não como uma sombra, mas como alguém que respira, sonha e sente como nós?

   Que nunca deixemos a empatia se esconder nas profundezas do cérebro, presa entre sinapses desconectadas. Que ela seja sempre uma luz acesa, uma casa cheia de vida, onde todas as emoções tenham espaço para se encontrar.


      Por Alfredo Guilherme



quarta-feira, 7 de maio de 2025

Crônica :O Drama da Tristeza Contida...

 



     Ah, a tristeza... essa moradora clandestina do peito, que insiste em ficar mesmo sem convite. Mas sejamos francos, há um certo requinte em saber escondê-la, como um mágico que engole cartas sem ninguém perceber. Afinal, enquanto por dentro chove, por fora podemos manter o sol firme no horizonte.

    Nos dizem que é saudável deixar os sentimentos fluírem, que guardar tristeza faz mal. Mas quem nunca segurou um soluço em meio ao trabalho, disfarçando o abismo interior com um sorriso comercial? O ser que habita dentro de nós sabe que a liberdade e a alegria precisam de espaço. Ele respira fundo, joga a tristeza no porão e segue, porque já aprendeu que a vida não pede licença para continuar.

    Mas aqui está o dilema... Se esconder sentimentos fosse esporte olímpico, seríamos campeões, medalha de ouro. Engolimos o choro no ônibus, maquiamos o cansaço na reunião, e até conversamos sobre o tempo, fingindo que não estamos em uma tempestade interna digna de filme dramático.

    Claro que, vez ou outra, a tristeza dá um jeito de escapar numa lágrima furtiva, num suspiro profundo, na vontade inexplicável de ouvir música melancólica às três da madrugada. Mas sejamos sinceros se ela não escapa de vez em quando, quem daria valor ao riso solto e à gargalhada espontânea?

    E assim seguimos, equilibrando o grande teatro da vida, onde tristeza e alegria dançam juntas, sem jamais se deixarem atropelar.

    A Grande Sacada: Equilibrando Sentimentos...

    Mas há um certo charme em saber esconder os sentimentos, não é? A sociedade nos treinou para sermos atletas da contenção emocional. 

    Mas sejamos honestos... Esconder sentimentos o tempo todo seria cansativo demais. Quem nunca fingiu ser uma rocha inabalável, só para depois se perder em lágrimas com o sorvete derretendo nas mãos ou em um discurso filosófico com a pessoa amada ? O equilíbrio está em permitir que a alegria tenha espaço, mas sem prender a tristeza num cofre com cadeado.

    No fim, somos um belo espetáculo ambulante de emoções contidas e fugas dramáticas. E talvez, só talvez, seja isso que nos torne humanos de verdade.


      Por Alfredo Guilherme


segunda-feira, 5 de maio de 2025

Crônica poética : “Cacau & Candomblé”


       Fim de tarde no tom quente âmbar. Aos poucos, vai escurecendo com vento morno em Itapuã. Parte do céu tinha a cor da água de coco e o cheiro de dendê, que subia das panelas invisíveis que o tempo cozinha nas esquinas da Bahia.

      Na varanda de uma casa antiga, rede esticada, mesa com duas cadeiras de madeira, garrafa de cachaça, copinhos com restinho da dose tomada, folhas de papel amarelado, violão encostado na parede. Ao fundo, o sons do mar, se misturavam com sussurros do vento e dos batuques ao longe.

     Jorge Amado já estava lá sentado, descalço, camisa branca de linho, calça de algodão, camisa aberta no peito, com um sorriso de quem conhece todos os segredos de Gabriela e só conta se tiver uma boa cachaça um charuto enrolado nas cochas morena baiana e um bom silêncio para ouvir.

     Gil chegou logo depois, com o violão debaixo do braço, roupa leve, colorida, e o axé correndo solto nas veias. Sentou-se, tirou os óculos escuros, olhou pro mar com a fala melódica e ritmada. disse...

     - Ô... Jorge, que cheiro bom tem essa varanda... Cheiro de livro que foi temperado no dendê, a nossa Bahia é um livro que canta.

      - Você sabia que as minhas personagens têm cheiro?, disse Jorge.

      - E as minhas canções têm pele, respondeu Gil.

       Jorge respondeu com uma gargalhada baiana, com a voz lenta, grave e afetuosa... - É você chegou no tempo certo, Gil... A hora em que o céu fica do tom da alma da Bahia.

       - A Bahia é partitura viva, meu velho. Se a gente escutar bem, ela canta.

     Jorge ergue o copo e diz... - E se desafinar é com orgulho. Como Gabriela quando ri na cozinha... ou Quincas Berro D’Água voltando pra mais um samba depois da morte.

      Gil ri e dedilha um acorde leve no violão... Cantando baixinho... Refazenda, meu pai, refazenda... No dendê, no candomblé, no pão de cada dia...

       - Menino, você canta como se estivesse benzendo as palavras... E pega um papel amarelado do bolso... - Um dia desses escrevi algumas coisa sobre os meninos do cais...

      - Os meninos dos seus Capitães da Areia? Que andavam descalços como correndo na beira do cais como quem corre atrás do tempo. Aqueles moleques têm o mesmo balanço dos meus compassos... Pedro Bala podia muito bem ter dançado no Expresso 2222.

     Jorge (brinca) - Mas só se não cobrasse passagem.

     Ambos riem. olhando o mar, Jorge acende um charuto invisível, como se desenhasse o ar com a fumaça. A luz vai caindo para um tom mais escuro de azul.

     - Sabe, Jorge... Eu canto pra lembrar que ser livre também é um ato de fé... e também é uma forma de resistência.

     Gil dedilhou um acorde e cantou, "Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá... Quase sussurrando, canta um trecho no tom suave... “Aquele Abraço”.... Alô alô, Terezinha... aquele abraço... Alô Bahia de todos os santos, encantos e axés... aquele abraço 

     Gil... Isso aí não é música, não. É carta de amor pro Brasil !!.

      Eles brindam...

     O som do mar aumenta. Falavam de tudo, de Exu a Caetano, de Ilhéus a Londres. A conversa era como um enredo de carnaval místico de escola de samba, passando por histórias de coronéis, poesias africanas e protestos invisíveis.

      Ficaram ali até a noite chegar devagarinho, com seus orixás discretos, suas marés escuras e suas estrelas tímidas. 

      Jorge mexe o copo com cachaça, enquanto Gil afina o violão, entre um acarajé e um acorde, escrevem juntos nesse encontro imaginário na Bahia eterna da memória... "Cacau & Candomblé"... O evangelho pagão da alegria.

      E quando o silêncio chegou, não foi silêncio... Foi a genialidade respirando saudades.


         Por Alfredo Guilherme



sábado, 3 de maio de 2025

Um conto contado: A Menina e o Caderno Encantado …

    



      Babi morava em apartamento simples em um condomínio, ficava na janela cantando enquanto a chuva com seus pingos fazia o acompanhamento musical ao cair por entre as folhas, em frente à sua janela do seu quarto. Seu pai vivia longe, sua mãe corria entre trabalhos e cansaços de cuidar da casa e dos filhos, mas Babi tinha um segredo guardado no peito como quem guarda um sol em dias nublados, ela queria ser escritora.

     Seu companheiro fiel era um caderno de capa vermelha, meio amassado, mas cheio de sonhos por dentro e margens rabiscadas de esperança. Mas ela ainda não sabia por onde começar.

     Numa noite em que o vento assobiava pelas frestas da janela, o caderno tremeu em suas mãos. E, como num passe de mágica, saltou de dentro dele uma criatura feita de tinta e papel, era o “Parágrafo”, um duende magricela com cabelo de vírgulas e olhos de reticências. E foi logo dizendo para ela...

     - Você não precisa saber tudo agora, Babi, enquanto falava ele, dançava sobre a mesa... - Só precisa começar com o que você sente.

     No dia seguinte, enquanto Babi observava borboletas no quintal da avó, uma azul e dourada pousou em seu ombro. Era a “Metáfora”, que sussurrou...

     - Eu transformo dor em poesia. Sempre que quiser escrever bonito sobre o que quiser, me chame.

     Mais tarde, enquanto lavava a louça, a espuma formou uma senhora elegante, vestida com véu de retalhos de histórias. Era a “Dona Narrativa”, que falava em prosa e verso.

     - Babi... Toda história precisa de começo, meio e fim, mas não esquece…  o meio é onde mora a emoção.

     E assim Babi começou a escrever, com medo da sua caligrafia às vezes, mas com coragem suficiente para continuar.

     Mesmo com seus novos amigos imaginários  O Parágrafo, a Metáfora e Dona Narrativa " …Babi ainda hesitava.
     - E se ninguém gostar do que eu escrevo? … sussurrava ela junto ao travesseiro.

     Foi então que apareceu o ” Erro Ortográfico”, um monstrinho de óculos tortos com um riso 'exagerado'.
     - Eu sou parte do caminho! disse ele, pulando entre as páginas rapidamente. Quem tem medo de errar nunca chega no final! Minha menina !!!

     Babi, pela primeira vez, sorriu para seu próprio erro.

      Numa manhã de domingo, com o sol dançando alegre para ela, Babi escreveu sua primeira história: “A Menina que Conversava com Nuvens”. Foi sobre ela mesma, mas com asas invisíveis, com palavras como se tivesse super-poderes.

      Ela mostrou à mãe, que chorou devagar, como quem lembra de si mesma ainda pequena.
     - Você tem algo lindo dentro de você, minha filha… disse ela. - E isso merece ser lido no mundo infantil e adulto também.

     Na escola, ela não era a mais rápida nas contas, nem a melhor no vôlei, mas quando a professora dizia “faça uma redação”, Babi  sentia como se as nuvens virassem papel e o lápis fosse varinha mágica.

     Um belo dia... Quando a professora anunciou o concurso literário na escola Babi sentiu o coração tropeçar no peito.

      - É agora ? Pensou ela…  O "Parágrafo" foi logo cochichando no seu ouvido…- Mostre quem você é.

      E chegou o grande dia… Ela entregou o conto com as mãos suadas. Durante uma semana, viveu esperança e medo, entre o “será?” e o “ e se ?”.

     Na aula de sexta-feira, a professora chamou nome, da vencedora !!!

      - Vencedora do concurso, é a Babi !!! Com a história “A Menina que Conversava com Nuvens” 

     Os alunos ficaram em silêncio por um segundo... e depois explodiram em aplausos. Babi fechou os olhos deu um grito de felicidade.

      Anos depois, com outros cadernos cheios e o coração ainda mais cheio de inspiração, Babi sonhou em uma noite de luar, que tinha publicado o seu primeiro livro…
     “O Caderno Vermelho e Outras Magias”.

      Na noite do lançamento, ao lado de uma mesa cheia de livros, ela viu crianças fazendo fila com olhos brilhando, pedindo dedicatória.

      Foi quando a “Metáfora” apareceu no sonho para ela, sentada entre as palavras...
      - Viu? Sua história é mágica. Você… Só precisa acreditar, que o sonho pode virar realidade.

      Numa manhã de domingo, Babi acordou com uma carta debaixo do travesseiro. Não era dos pais ou irmãos. Nem do Correio. Era do "Capitão Parágrafo", um velho marinheiro de histórias longas e canetas gastas, que vivia dentro de um livro de aventuras que Babi pegou certa vez na biblioteca da escola.

      A carta dizia:

"Babi, menina de palavras por nascer, tua coragem não mora no que já sabe, mas no que inventa. Navegue, erre, escreva. E quando tiver medo, lembre-se, até a vírgula tem seu lugar de pausa no caos."

     Inspirada, Babi criou uma história de uma menina que viajava em um navio feito de folhas de caderno, navegando entre tempestades de dúvidas e ilhas de ideias.

     Ela não perdia a esperança... Nas noites em que ela se questionava sobre o seu sonho de que um dia poderia ver um livro seu sendo publicado, Babi conversava com um personagem que ela mesma inventou, " Dona Muda ', uma senhora que não falava, mas escutava como ninguém. Sentada no parapeito da janela, Babi contava suas ideias com a voz baixa, e Dona Muda respondia com silêncio cheio de sentidos.

     "Algumas histórias," dizia o silêncio dela, "precisam de lágrimas antes de virarem palavras."

     Foi assim que Babi começou a escrever sobre seus medos e sua esperança, transformando tudo em contos que pareciam sussurros da alma.

     Anos se passaram. Babi cresceu, mas nunca parou de escrever. Guardava tudo numa gaveta velha, onde morava o seu caderno dos sonhos... Era ali que viviam o “ Capitão Parágrafo ”, “ Dona Muda ”, o “ Poeta das Palavras Voadoras ” e tantos outros personagens imaginários que tinham caminhado com ela pelo mundo encantado da literatura.

     Até que, num dia qualquer,  como são todos os dias especiais ela tirou o caderno da gaveta e decidiu enviá-lo a uma editora, aguardou com coração cheio de esperança. 

     A resposta chegou numa manhã chuvosa. Babi correu até a caixa de correio e encontrou um envelope com seu nome. Ao abrir, leu...

     Querida Babi, sua história nos emocionou. Ela será publicada. Outras crianças vão sonhar através das suas palavras. Bem-vinda ao mundo dos escritores."

     Ela chorou. Não de tristeza. Mas daquele tipo de alegria que só acontece quando o que parecia impossível vira realidade.

      Na estante da livraria, lá estava: “O Caderno de Babi”. E no final do livro, uma dedicatória:

"Para todos que carregam histórias no peito. Que nunca lhes falte uma caneta e um coração teimoso."   


    

     “ A menina dos cadernos ".  Nunca deixou de ser a “Babi”… Até hoje, quando escreve, escuta os sussurros de seus velhos amigos imaginários e sorri.


    Por Alfredo Guilherme