domingo, 27 de julho de 2025

Crônica: Somos passáveis até que ponto ?…

 


      Passável até que ponto?…
     Tem gente que diz com a melhor das intenções… - Ah, mas você nem parece...
     E aí, o elogio vira espelho rachado.
     Porque o que seria "parecer"?.. Ficar perecendo como quê? Não aparentar a idade? É isso… 
     O que esperavam que eu parecesse para ser quem eu sou?

     A sociedade gosta do que ela chama de “Passável”.
     Quem tem traços que não incomodam… Cor da pele que “dá pra disfarçar”… Chamar o preto de pele mais clara de moreno, Cabelos que, alisados, parecem mais obedientes ao pente e ao olhar.

     Gosta de quem é preto, mas “não tanto”.
     Gosta de quem é nordestino, mas com o sotaque polido.
     Gosta de quem é indígena, mas usa roupas da Zara.
     Gosta do corpo fora do padrão... Desde que ele se arrependa e vá pra academia.

     Aceita quem tem “defeito”, mas que já esteja tentando “consertar”.
     Aceita a dor, desde que não grite.
     Aceita a diferença, desde que seja discreta, domesticada, digerível.

     O problema é que o afeto que vem do “passável” não é afeto… É concessão.
     É a migalha que se joga no prato de quem sempre teve que comer calado.

     Ser passável é ser aceito com desconto… É ser quase humano, desde que não reclame demais, não lembre demais o que já sofreu, não exija respeito demais, só o mínimo socialmente confortável.

     Mas ser aceito assim é também morrer de pouco em pouco.
     Porque se você precisa calar uma parte de si pra ser amado, esse amor não é por você… É pelo seu disfarce.

     A sociedade elogia o que não ameaça. Diz que ama a diversidade, mas só se ela for "instagramável".
     Tolera a diferença no discurso, mas exige “harmonização” estética na prática.

     O corpo não mente... Nem a alma.
     Ela engasga, mesmo quando você tenta engolir.
     Ela resiste, mesmo quando dizem que "não é pra tanto".

      E um dia a gente entende que passar por aceitável não vale o preço de passar por invisível.
     A aceitação plena vem com o risco do incômodo.
     E incomodar, às vezes, é o maior ato de amor-próprio que alguém pode cometer.

     Mas chega uma hora em que o amor-próprio cansa de pedir licença. E entra com tudo. E não pede desculpa por existir.

     Porque o mundo só muda quando alguém, sem pedir desculpas, ocupa seu espaço com a própria pele. Com cabelo rebelde, com sotaque forte, cor, raça, voz, peso, volume, riso, tatuagem e cicatrizes da vida.

      O afeto verdadeiro começa quando ninguém precisa se diminuir para caber.

    E a revolução acontece quando alguém diz, sem medo…
"Me veja por inteiro. Ou me deixe passar.”


     Por Alfredo Guilherme 



3 comentários:

Anônimo disse...

Caro amigo Alfredo, mais uma vez vc foi fantástico. Esse texto não fala só sobre identidade, ele fala sobre o cansaço de existir com filtro como se o afeto viesse condicionado a um código de aparência, fala ou comportamento. Como se só fosse digno quem sabe disfarçar.

Anônimo disse...

O texto toca em uma ferida que arde em silêncio, a de quem aprendeu a sorrir mesmo quando foi visto com desconfiança,
a de quem foi convidado a entrar, desde que deixasse parte de si do lado de fora da da porta. Meu querido amigo parabéns pelo texto

Anônimo disse...

Ser “passável” é como andar num palco em que a plateia só aplaude se você atuar no papel que esperavam. amei o texto