domingo, 25 de maio de 2025

Crônica poética : Mesa para dois….





      Não é sonho nem alucinação é apenas o universo cansado de ver tanta poesia morando sozinha, reuniu dois solitários de pensamentos poéticos.
     Um com seu terno de saudades mineiras da cidade de Itapira 'Carlos Drummond de Andrade' a outra vestida de silêncio e tempestade, entre o Atlântico e a memória de abismos da cidade de  Boston, 'Sylvia Plath', um encontro improvável  desses que só a literatura permite. Aconteceu numa dobra do tempo, onde o relógio bate versos ao invés de horas. 

     Era fim de tarde, aquele horário em que os poetas costumam bocejar existencialismo. No Café Metáfora, uma pequena cafeteria no meio de lugar nenhum, Drummond já estava sentado, mexendo o café com a colher como quem está remoendo lembranças de Itabira.

      Ao lado de sua mesa, chega Sylvia, trazendo um caderno nas mãos e um inverso no olhar de quem já atravessou todas as tempestades internas e ainda assim passou batom. Ela se senta. Drummond ajeita os óculos. A troca de olhares entre eles já é um poema.

     - Sylvia, a vida anda tão concreta… suspirou ele, com aquela voz de pedra.

     - E a minha ainda anda tão cheia de gás tóxico que me estreitou a vida… responde ela, com um sorrisinho ácido… - Mas dizem que foi só uma fase, a outra eu poetizei.

     O garçom trouxe dois cafés, o dela forte, o dele amargo e morno, como suas emoções reprimidas desde 1930.

        - Há esses cafés Sylvia, que cheiram manhãs de mãe, lembram promessas esquecidas, cafés que despertam a alma, que embriagam o coração. Há cafés que não se bebem, se choram.


     - Você escreve pra entender o mundo, Carlos?

     - Escrevo pra suportar o que existe nele. E você?

     - Escrevo pra explodir sem fazer barulho. Às vezes, dá certo. Às vezes, vira livro.

     Drummond observa Sylvia, e pensa que talvez seja isso mesmo, algumas almas nascem com uma flor no peito e um incêndio para apagar pelo caminho.

      Ele, acostumado à timidez das palavras. Ela, íntima da fúria que rima com amor.

       Ambos com pedras no meio do caminho e os cacos da alma na escrita.
       Ele observa, e ela confessa.
       - Seriamos um casal literário que se amaria por carta e se separaria por excesso de lucidez.

      - Realmente… Sabe, Sylvia, eu carreguei uma pedra que encontrei no meio do meu caminho. E você?

      - Eu carreguei todas pelo caminho inteiro. E no final, acredite, tropecei em mim.

      Ficaram em silêncio por uns minutos. Ele olhando pela janela, ela encarando a xícara na mão. Assim mesmo estavam mais conectados do que dois corpos nus. Porque há conexões que só a dor entende.

      - Carlos, e se a vida for só isso mesmo? Esse eterno ensaio para um poema que nunca termina?

      - Então Sylvia, que a gente siga ensaiando. Com uma rima pobre, mas com sentimento nobre.

      Ela sorri. Ele também. Pela primeira vez, a solidão de Drummond parece menos pesada. E o vazio de Sylvia, mais habitável.

      Levantam-se… A conta já estava paga  por algum leitor sensível do universo literário.

      Ela sai pela porta e desaparece num verso sombrio. Ele volta à calçada, com vontade de escrever sobre essa romancista americana, mulher que se escondeu da depressão, como quem escreve cartas de amor.

      E o mundo, coitado, continuou girando, sem notar que, antes dele se eternizar solitário, sentado em um banco na praia de Copacabana, instantes antes, a poesia havia sentado para tomar um café… E ele escreveu.

      Quero que me encontrem. Assim… 

      Com os olhos úmidos a boca em silêncio, 

      E o coração, fumegando.



      Por Alfredo Guilherme 



6 comentários:

Anônimo disse...

Drummond, com seu jeito introspectivo, e Plath, com sua intensidade emocional, refletem a dualidade da poesia, um espaço para a expressão da dor e, ao mesmo tempo, uma busca pela beleza nas palavras. Belíssimo texto

Anônimo disse...

Através desse encontro poético, que você criou, somos convidados a refletir sobre a importância de compartilhar nossas histórias, nossos medos e nossas esperanças, pois a escrita, afinal, é um ato de amor e coragem. Amigo Obrigado por mais esse texto ..,

Anônimo disse...

Caro amigo ao imaginar um encontro entre Carlos Drummond de Andrade e Sylvia Plath, por meio de diálogos profundos e evocativos, vc teve a habilmente construir uma atmosfera carregada de sentimento e reflexão. Parabéns

Anônimo disse...

💝Lidissimo 💝

Anônimo disse...

Amigo que lindo encontro literário ótimo texto !!!!

Anônimo disse...

A maneira como os dois poetas se reconhecem em suas dores e conquistas é especialmente tocante.