Era fim de tarde, aquele horário em que os poetas costumam bocejar existencialismo. No Café Metáfora, uma pequena cafeteria no meio de lugar nenhum, Drummond já estava sentado, mexendo o café com a colher como quem está remoendo lembranças de Itabira.
Ao lado de sua mesa, chega Sylvia, trazendo um caderno nas mãos e um inverso no olhar de quem já atravessou todas as tempestades internas e ainda assim passou batom. Ela se senta. Drummond ajeita os óculos. A troca de olhares entre eles já é um poema.
- Sylvia, a vida anda tão concreta… suspirou ele, com aquela voz de pedra.
- E a minha ainda anda tão cheia de gás tóxico que me estreitou a vida… responde ela, com um sorrisinho ácido… - Mas dizem que foi só uma fase, a outra eu poetizei.
O garçom trouxe dois cafés, o dela forte, o dele amargo e morno, como suas emoções reprimidas desde 1930.
- Há esses cafés Sylvia, que cheiram manhãs de mãe, lembram promessas esquecidas, cafés que despertam a alma, que embriagam o coração. Há cafés que não se bebem, se choram.
- Você escreve pra entender o mundo, Carlos?
- Escrevo pra suportar o que existe nele. E você?
- Escrevo pra explodir sem fazer barulho. Às vezes, dá certo. Às vezes, vira livro.
Drummond observa Sylvia, e pensa que talvez seja isso mesmo, algumas almas nascem com uma flor no peito e um incêndio para apagar pelo caminho.
Ele, acostumado à timidez das palavras. Ela, íntima da fúria que rima com amor.
Ambos com pedras no meio do caminho e os cacos da alma na escrita.
Ele observa, e ela confessa.
- Seriamos um casal literário que se amaria por carta e se separaria por excesso de lucidez.
- Realmente… Sabe, Sylvia, eu carreguei uma pedra que encontrei no meio do meu caminho. E você?
- Eu carreguei todas pelo caminho inteiro. E no final, acredite, tropecei em mim.
Ficaram em silêncio por uns minutos. Ele olhando pela janela, ela encarando a xícara na mão. Assim mesmo estavam mais conectados do que dois corpos nus. Porque há conexões que só a dor entende.
- Carlos, e se a vida for só isso mesmo? Esse eterno ensaio para um poema que nunca termina?
- Então Sylvia, que a gente siga ensaiando. Com uma rima pobre, mas com sentimento nobre.
Ela sorri. Ele também. Pela primeira vez, a solidão de Drummond parece menos pesada. E o vazio de Sylvia, mais habitável.
Levantam-se… A conta já estava paga por algum leitor sensível do universo literário.
Ela sai pela porta e desaparece num verso sombrio. Ele volta à calçada, com vontade de escrever sobre essa romancista americana, mulher que se escondeu da depressão, como quem escreve cartas de amor.
E o mundo, coitado, continuou girando, sem notar que, antes dele se eternizar solitário, sentado em um banco na praia de Copacabana, instantes antes, a poesia havia sentado para tomar um café… E ele escreveu.
Quero que me encontrem. Assim…
Com os olhos úmidos a boca em silêncio,
E o coração, fumegando.
Por Alfredo Guilherme
6 comentários:
Drummond, com seu jeito introspectivo, e Plath, com sua intensidade emocional, refletem a dualidade da poesia, um espaço para a expressão da dor e, ao mesmo tempo, uma busca pela beleza nas palavras. Belíssimo texto
Através desse encontro poético, que você criou, somos convidados a refletir sobre a importância de compartilhar nossas histórias, nossos medos e nossas esperanças, pois a escrita, afinal, é um ato de amor e coragem. Amigo Obrigado por mais esse texto ..,
Caro amigo ao imaginar um encontro entre Carlos Drummond de Andrade e Sylvia Plath, por meio de diálogos profundos e evocativos, vc teve a habilmente construir uma atmosfera carregada de sentimento e reflexão. Parabéns
💝Lidissimo 💝
Amigo que lindo encontro literário ótimo texto !!!!
A maneira como os dois poetas se reconhecem em suas dores e conquistas é especialmente tocante.
Postar um comentário