Para ser lido com as mãos limpas de pressa e os olhos sujos de memória...
No final do livro coletivo, "A Fé de cada um,"entre trinta vozes e cicatrizes, dos escritores, eu participei, escrevi no final, que guardaria o último frasco de álcool gel. E se alguém perguntasse por quê, eu diria... porque ali dentro havia mais que um produto hospitalar. Havia o suor da sobrevivência. Havia fé destilada.
Guardei...
No fundo de uma gaveta, entre as máscaras amarrotadas sem uso, e uma carta que nunca enviei que virou cicatriz, ficou ele, o último frasco de álcool gel. Ainda com metade da esperança líquida.
Ainda com o cheiro desagradável dos dias em que tocar era perigo, abraçar era risco, e respirar um ato de fé.
A pandemia, dizem, passou. Mas quem passou mesmo fomos nós.
Por salas fechadas, por janelas abertas para a esperança demais, por dias longos demais, por noites cheias de estatísticas e orações confusas. Por dias longos demais. Por ausências sonoras.
Cada um à sua maneira aprendeu a respirar com os olhos. A sobreviver por dentro da máscara, no silêncio perturbador.
Esse frasco permaneceu. Como um totem cotidiano. Lá, empoeirado, como quem sussurra... “Lembre-se que você passou por isso.
Não de medo, mas de memória. Como quem guarda não pelo líquido, mas pela história contida ali.
Fomos trinta autores. Cada texto, cada linha, cada pausa uma tentativa de dizer, à sua maneira... “Continuei... mesmo sem saber como.”
Agora, fecho este texto como quem fecha uma janela antes da próxima tempestade. Não por pessimismo mas por sabedoria.
Outros vírus virão... Será ?... Da natureza, de código, de crença, sabe-se lá de onde.
Mas ainda deixo esse frasco aqui, não como relíquia, mas como símbolo.
Se a fé é invisível, que ao menos tenha o cheiro do álcool gel na memória, essa foi minha maneira simbólica de dizer... “Eu ainda me lembro”
Por Alfredo Guilherme
3 comentários:
Sua crônica é uma cápsula do tempo, mas também um espelho, reflete o que vivemos e como fomos transformados.
Que texto poderoso, Caro amigo Alfredo você criou um relicário de emoções em forma de palavras.
Se esse texto fosse um objeto, seria um pequeno altar, íntimo, silencioso, mas cheio de significado. obrigado por me enviar esse livro A fé de cada um .... em PDF Um abraço do seu amigo Rodrigo...
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