segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Um conto contado : Esquina da Memória…

 


    Era uma esquina como qualquer outra, dessas que a gente frequenta sem pressa quando a cidade já resolveu dormir. O asfalto ainda úmido refletia a luz amarela dos postes que pintava a calçada com sombras longas, e o mundo parecia andar mais devagar, e havia um silêncio tão cuidadoso que até os passos pareciam pedir licença.
    Estabelecendo um cenário contemplativo, onde o tempo parecia permitir que o passado se infiltrasse no presente.

     A rua continua lá. A esquina também. E às vezes, quando passo por lá, sinto tudo de novo. Como se o tempo estivesse apenas esperando que eu voltasse.
     Onde hoje só mora o acaso, veio o perfume, do nada, feito brisa que decide enfeitiçar, passou por mim, doce, familiar. E como se obedecesse a um roteiro secreto, de repente uma música começou a tocar. Veio de algum bar boêmio. Era aquela velha canção que a gente nunca admite gostar, mas canta inteira quando acha que ninguém está ouvindo.

    E então, foi como se o tempo se curvasse.

    Eu lembrei. De nós dois... Do seu inebriante perfume, naquela noite em que a cidade parecia conspirar a favor, silenciosa, cúmplice, suspensa entre promessas.

    Ali estávamos. Entre risos baixos, conversas partidas pela metade, aquele jeito desajeitado de quem ainda não sabe se pode pegar na mão ou só o olhar. Estávamos ali. Tenho certeza. Lembro do tom da sua voz, da curva do seu corpo, até do seu sorriso, de como você me olhava como se o mundo coubesse inteiro entre uma palavra e outra. E isso bastava.

    Mas juro, juro mesmo, que não me lembro com que roupa estávamos vestidos.
    Talvez porque, naquela noite, tudo que vestíamos era o sentimento. Era desejo disfarçado de timidez. Era o frio na barriga travestido de coragem. Era o arrepio que nascia do lado de dentro.

    A rua continua lá. A esquina também. A música deve estar perdida em algum vinil velho, e o perfume talvez nem exista mais. Mas quem sabe, numa outra noite qualquer, tudo volte como se nunca tivesse ido.

     Incrível... Só não lembro da roupa que vestíamos.

    Talvez seja isso que o cérebro faz com os detalhes, guarda o essencial e joga o resto na caixa de "tanto faz". 

     Mas será que o essencial é mesmo o que a gente lembra, ou o que a gente esquece devagar?


     Por Alfredo Guilherme 


12 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto adorei

Anônimo disse...

Valeu caro amigo pelo texto ele fala da permanência do amor como experiência viva, mesmo na ausência.

Anônimo disse...

Como leitor, fui completamente arrebatado por esse texto. Ele não apenas descreve uma cena ele a faz pulsar. A esquina, o asfalto úmido, a luz amarela dos postes... tudo parece respirar junto com a memória. É como se o tempo tivesse deixado uma fresta aberta, por onde o passado escapa e nos toca de novo, sem pedir licença.

Anônimo disse...

O que mais me tocou foi a forma como você transforma o cotidiano em poesia.

Anônimo disse...

E quando você diz que não lembra da roupa que vestiam, é aí que tudo se revela. Porque o que vestiam era sentimento. Essa frase me fez parar. Me fez pensar em quantas memórias eu também guardo assim sem detalhes visuais, mas com o peso exato do que senti. adorei seu conto mais uma vez caro amigo Alfredo.

Anônimo disse...

Lindo, profundo e absolutamente humano.

Anônimo disse...

Parabéns um belo texto 👏 talvez o perfume não existe mais nem a roupa mais às lembranças essas são eternas.

Anônimo disse...

O texto me fez perceber que talvez o essencial não seja o que a gente lembra com clareza, mas o que permanece mesmo quando os detalhes se desfazem.

Anônimo disse...

É um conto sobre o poder da memória, sobre como o amor deixa rastros em lugares, cheiros, músicas e sobre como, às vezes, tudo isso volta, como se o tempo estivesse apenas esperando que a gente passasse por aquela esquina de novo.

Anônimo disse...

É uma escrita que não descreve, evoca. Ótimo conto adorei.

Anônimo disse...

?💝?

Anônimo disse...

💖💖💘💘? amar e lindo em qualquer lugar 💕