quarta-feira, 15 de junho de 2016

Verdade ou mentira, sei lá, só sei que quase aconteceu...


Um sentimento religioso marcou história nos tempos de Colônia e Império.

        As peripécias de um baiano arretado que viveu entre os séculos XVII e XVIII podem compensar um pouco a angústia com que o nosso país atravessou diante da possibilidade de escolha de um Papa brasileiro.

Antônio Dias Quaresma cogitou ocupar o lugar de Sumo Pontífice e pretendia empreender profundas reformas....

        Hei de ser... Papa !!! ... Afirmava a si mesmo enquanto movimentava-se por Lisboa, Gênova e Roma, pretendendo suceder Clemente XII, que faleceu em 1740.... Ao menos era esse o desejo que aparecia em seus sonhos místicos.

A surpreendente trajetória deste papa imaginário está contada numa detalhada autobiografia.

O documento foi finalizado em Lisboa em 1744 e atendeu à sugestão do geral (superior) da Ordem dos Servos de Maria em Roma, para onde foi enviado, sendo posteriormente transferido para os arquivos do Vaticano.

“Apresentar o teor e a forma como este homem comum do século XVIII, e até então desconhecido, destituído de instrumentais doutrinários normais aos letrados de sua época, construiu a sua história de vida fundamentada em elementos espiritualizantes”.

Mas o que se sabe até aqui, reflete uma ousadia espantosa, deste baiano doidão, e pelo que eu sei, naquela época não se cheirava o Pó Maldito dançando Funk e nem se fumava a Erva do Capeta ouvindo Reggae... Mas...

Bem ao gosto de uma época marcada por uma religiosidade intensa, que penetrava no cotidiano e parecia confundir realidade e fantasia na mentalidade dos grupos populares, a narrativa da vida de Antônio está repleta de milagres, sinais e revelações.
           
Seus sonhos estavam longe de serem extravagâncias de um visionário.
          
A experiência religiosa no Ocidente moderno migrava com a maior facilidade para a prática e a sensibilidade individuais.
          
Era assim que beatas conversavam intimamente com os santos, homens soltavam imprecações contra as divindades, êxtases e sonhos proféticos acometiam os mais devotos.
        
Incomum e original foi o desejo de um luso-brasileiro assumir o comando da igreja.

Sonhos, infortúnios e desvarios. . .

A intercessão divina nem esperou nosso personagem nascer em 1681 na cidade de São Salvador para se fazer anunciar...
        
Sofrendo com o parto que se arrastou por três dias, sua mãe chegou à beira da morte escapando só após pegar a imagem de Santo Antônio.
       
Na infância ele não deu descanso ao anjo da guarda, sobrevivendo milagrosamente depois de ter voado pelos ares ao ser chifrado por um boi, e outro milagre aconteceu, escapou aos 11 anos de morrer afogado.
      
Com 18 anos fugiu de casa e foi para Lisboa e, como era moço e com boas feições corporais (pelo menos era assim que ele próprio se via), caiu numa vida de “vícios pecaminosos”, ou seja totalmente engajado em uma putaria generalizada.

Voltou ao Brasil nos idos de 1702 onde, circulando entre a Bahia, Rio de Janeiro e Santos, teve sonhos terríveis em que se via diante de um tribunal divino que o condenava não apenas ao inferno, mas para um futuro que ele certamente iria se foder.
         
Com a sua fortuna parecia que tudo iria mudar, e ele tratou de fazer um exame de consciência e se confessar... Decepcionado com a negligência de seu confessor, a quem recorreu, descobriu a má conduta dos padres católicos daquela época.
         
Em Minas Gerais, onde viveu dezessete anos, se viu no meio do conflito conhecido como Guerra dos Emboabas, dividido entre o apoio aos paulistas, seus amigos e protetores, os baianos, seus patrícios.
         
Mesmo assim enriqueceu comprando terras e escravos.
        
Sem resistir à tentação passou a viver amasiado, como era de costume naquelas bandas, e sem conseguir domesticar o pinto dentro da ceroula...
        
Da relação nasceram oito filhos, e de suas escravas e parceiras de alcova, outros tantos.
        
Mostrou-se crudelíssimo com seus escravos, “Um tirano, uma fera, na verdade um diplomado F d P”.

        Admitiu na maior cara larga que... Que castigava sem pena seus escravos, derramando “muito sangue”, sem ligar para a fome, o frio e as doenças.
        
De repente voltou a ceder aos apelos do espírito, tocado por experiências místicas e, em abril de 1730, dias depois da Paixão de Cristo, teve início a entrega completa a Deus.
        
Numa cena pungente, ele se despediu dos filhos, dos familiares e dos seus escravos, pedindo perdão a todos pelas crueldades feitas por ele... 

        Lançou-se aos seus pés de um dos escravos beijando os pés calejados de tanto sofrimento... Em seguida tirou os sapatos dos pés, e só com um gibão e calção humilde, embrulhado em um capote velho, sem dinheiro e com nenhuma outra companhia, a não ser uma cruz nas mãos, se pós a caminho da sua busca religiosa a quem tanto ele tinha ofendido.
         
Em sua peregrinação, quando já contava com 50 anos, passou por Salvador esmolando vestido de ermitão... Uma nova visão então o alcançou, sinalizando que ele deveria “fundar uma nova religião”.
         
Sem vacilar, cruzou o Atlântico, desembarcou em Lisboa e seguiu para Gênova disposto a se ordenar sacerdote.
        
Circulando por seus lugares sagrados e mergulhado em exercícios espirituais, começaram suas epifanias nas quais passou a idealizar em pensamentos a vontade de ser um Pontífice.
        
Convencido que era este seu destino partiu para Roma, lidando sempre com a tal tentação de ser Papa, já fazendo obras.
         
Ali conseguiu em 1733 ingressar na Ordem dos Servos de Maria tornando-se sacerdote e adotando o nome de Frei Uguccione Maria Antônio... Mas veio a falecer muitos anos depois sem concretizar seu sonho maluco de ser o primeiro Papa brasileiro... ainda bem que isso não aconteceu... Graças a Deus...


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