sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Não podemos permitir... O Epistemicídio da cultura negra...

 





    A cultura negra no Brasil é um componente vital da identidade e história do país, refletindo-se em diversos aspectos da vida cotidiana.

     O epistemicídio da cultura negra é um fenômeno que não pode ser ignorado ou permitido, dada a sua importância vital para a nossa sociedade. Epistemicídio refere-se à destruição sistemática do conhecimento e das tradições de um grupo específico, e no caso da cultura negra, isso tem implicações profundas e devastadoras.

     A cultura negra é rica em história, sabedoria e contribuições que moldaram e continuam a moldar o mundo em que vivemos. Desde a música, a dança, a literatura, até a ciência, a tecnologia e a filosofia, a influência da cultura negra é inegável e indispensável. No entanto, ao longo da história, essas contribuições foram frequentemente apagadas, desvalorizadas ou apropriadas sem o devido reconhecimento.

    A preservação da cultura negra é essencial não apenas para honrar as gerações passadas, mas também para garantir que as futuras gerações possam se beneficiar desse vasto legado. A música, por exemplo, é uma área onde a cultura negra teve um impacto monumental. Gêneros como o jazz, o blues, o reggae, o hip-hop e o samba têm raízes profundas na experiência negra e continuam a influenciar artistas e ouvintes em todo o mundo.

    Além disso, a literatura e a oralidade são pilares fundamentais da cultura negra. Escritores e poetas negros têm usado suas palavras para contar histórias de resistência, resiliência e esperança. Essas narrativas são cruciais para a compreensão da história e da identidade de um povo que enfrentou e continua a enfrentar inúmeras adversidades.

    A ciência e a tecnologia também não estão isentas das contribuições negras. Inventores e cientistas negros, muitas vezes esquecidos ou ignorados, desempenharam papéis cruciais em avanços que beneficiam toda a humanidade. Reconhecer e celebrar essas realizações é um passo importante para combater o epistemicídio.

   A filosofia e a espiritualidade negras oferecem perspectivas únicas sobre a vida, a existência e a conexão com o universo. Essas visões de mundo são enriquecedoras e oferecem alternativas valiosas às narrativas dominantes.

    Permitir que o epistemicídio da cultura negra continue é permitir que uma parte vital da nossa humanidade seja apagada. É essencial que todos nós, como sociedade, nos empenhemos em preservar, celebrar e promover o conhecimento e as tradições negras. Isso não é apenas uma questão de justiça, mas também de enriquecimento cultural e intelectual para todos.

    A luta contra o epistemicídio é uma luta pela diversidade, pela inclusão e pelo reconhecimento de que todas as culturas têm valor e merecem ser preservadas. A cultura negra, com sua riqueza e profundidade, é uma joia que deve ser protegida e valorizada, para que possamos construir um futuro mais justo e equitativo para todos.

      Zumbi dos Palmares, Chico Rei, Antônio Bento, José do Patrocínio, Luiz Gama, homens negros que lutaram bravamente contra o racismo e a escravidão no Brasil.

      

       Por Alfredo Guilherme

sábado, 21 de dezembro de 2024

Um conto contado : Um Azul Chamado Reforço…

     


      Na praça ao lado da represa, no bairro, onde as árvores faziam sombra sobre os bancos gastos pelo tempo, dois casais da velha guarda, com muitas histórias para contar, conversavam com a intimidade de quem já compartilhavam histórias há anos, algumas até antes de tirarem os bondes de circulação e deixarem por anos os trilhos pelas avenidas à fora.       

      Entre risadas e xícaras de café trazidas em garrafinhas térmicas, o assunto daquela tarde tomou um rumo inesperado, tudo porque a curiosidade feminina tem horas que fica aguçada, principalmente a da esposa do João, uma senhora muito extrovertida e sarrista, jogou no ar a pergunta que não quer calar ? Quem ali dos homens, usava o único comprimido no mundo, que é guardado, escondido a sete chaves pelos usuários, o pequeno comprimido azulzinho, (Viagra).

      - Ah, Luiz, confessa! Você já experimentou, não é?… Provocou dona Célia, lançando um olhar divertido para o marido da sua amiga Rita.

     Luiz, um senhor de bigode bem cuidado, vestindo uma camisa polo impecável, aquela do Jacarezinho, e original, diga-se de passagem, educadíssimo, olhou nos olhos dela e sem dizer que aquela bolsa que se formou por falta de colágeno, abaixo dos olhos dela, estava deixando seu rosto com uma aparência mais velha, e sem perder a compostura, respondeu…

      - Bem, Célia, dizem que a vida começa aos 60... E um empurrãozinho, nunca é demais!..  Respondeu, arrancando risadas de todos.

      Dona Rita, esposa do Luiz mais reservada, concordou, apertando a mão dele com carinho.

      - É verdade, minha velha amiga Célia, o remédio ajuda, mas o que faz mesmo a diferença é o que temos aqui, disse ele, apontando para o peito.

      Os quatro riram juntos, lembrando que o segredo de uma vida a dois, mesmo depois de décadas, estava na conexão do amor, para manter viva a chama do desejo sexual.

      João, com sua calma habitual, olhou para sua esposa Célia, que ajeitava os óculos e perguntou... 

      - Você sabia, mulheres também ficam broxas nas mudanças hormonais, aí e quando ficam querendo preliminares mais prolongadas, já é um sinal preocupante, e um comprimido azulzinho não deixa a peteca cair.

    Clélia arregalou os olhos e disse... 

     - João, meu amado esposo, acho que essa foi uma indireta para mim, ou não foi?… Aí foi a vez do Luiz iniciar uma gostosa gargalhada antes dos outros…

     Enquanto o sol começava a se pôr, pintando o céu com tons de laranja e rosa, os casais permaneceram ali, embalados por outras confortáveis conversas. Não era mais sobre o Viagra ou sobre piadas nada discretas que eles costumavam contar para animar as tardes, era sobre o que o tempo havia ensinado a eles, que amor e o desejo, mesmo com o passar dos anos, encontram formas novas e inesperadas de solidificar a união.

      Luiz, desta vez foi quem apertou a mão da Rita, como se quisesse reafirmar um pacto invisível. Célia, com seu tique nervoso piscou os olhos várias vezes e ajeitou os óculos, lançando um olhar cheio de ternura para o João.

      A praça, com sua tranquilidade, parecia testemunhar um tipo de amor que não se apaga, apenas amadurece.

      Quando finalmente se levantaram para ir embora, o céu já estava tingido de azul-escuro, e as estrelas começavam a brilhar. João, com um sorriso, virou para o Luiz dizendo…

      - Amigo, o Viagra é só um detalhe, eu vi uma reportagem outro dia dizendo que os jovens usam mais que os idosos o Viagra, para impressionar as novas conquistas amorosas. E por outro lado, o que nos mantém vivos é o amor e o companheirismo de décadas, e esses momentos de descontração aqui, disse, gesticulando para o grupo reunido.

      E assim, rindo e trocando provocações carinhosas, eles desapareceram pelas ruas do bairro, deixando no ar a lição de que, mesmo na velhice, o amor pode ser uma força tão vibrante quanto o nascer do sol.

       

          Por Alfredo Guilherme





quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Um conto contado: Lembranças de um amor perdido…



      A noite, com seu manto de estrelas silêncios são quebrados, se tornando cúmplice dos corações inquietos. Na boêmia, as ruas se tornam um labirinto, onde cada esquina traz um fragmento de memórias e onde os bares se tornam santuários.

      A cidade, com suas luzes trêmulas e sombras dançantes, parecia um grande palco de saudade. Era uma noite em que as lembranças pesavam no peito, e os bares se transformavam em portais para o passado.

     Ela caminhava pelas ruas, envolvida pela música distante de um saxofone, o tilintar de copos e o murmúrio das conversas alheias. Cada bar era uma aposta, uma esperança de que ele estivesse lá, sentado em uma mesa de canto, como costumava fazer, rindo de alguma piada ou mergulhado em pensamentos.

     No primeiro bar, encontrou a alegria exagerada de quem busca esquecer, mas não o rosto que procurava. No segundo, um poeta recitava algo sobre amores impossíveis, e suas palavras ecoaram dolorosamente no coração dela. No terceiro, já com os olhos marejados, pediu um vinho e se deixou envolver pela melancolia da noite.

     As lembranças vinham em ondas de saudades ao lembrar do jeito que ele olhava, a forma como sua risada iluminava qualquer espaço. Ela não sabia ao certo o que esperava encontrar, talvez um reencontro milagroso, ou apenas uma confirmação de que certas histórias ficam mesmo para trás.

     Quando chegou ao último bar, um cantor com seu violão estava cantando esse refrão da canção Ronda, De noite eu rondo a cidade/ A te procurar sem encontrar/ No meio de olhares espio/ Em todos os bares/ Você não está.../ Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/ O sonho alegria me dá/ Nele você está. A musica fez alimentar ainda mais a saudades que nela estava transbordando. 

    Quase sem esperança, percebeu algo diferente em alguém que ali estava. Não era ele, mas outra pessoa que carregava a mesma aura de nostalgia, um estranho que parecia perdido em seus próprios pensamentos. Eles trocaram olhares e um breve sorriso, como quem reconhece a solidão um no outro.

     A noite não trouxe o reencontro que ela desejava, mas a boêmia lhe deu algo mais, a certeza de que as lembranças não eram um fardo, mas um tributo a um amor que, de alguma forma, continuava vivo dentro dela.

     E assim, sob o céu que começava a clarear, ela decidiu que a busca havia terminado. Saiu do bar cantarolando... parte da musica Ronda... Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/ O sonho alegria me dá/ Nele você está /  

    Às vezes, é no meio do barulho e da confusão que a gente encontra a resposta que o coração precisava ouvir, a de que o amor perdido não precisa ser encontrado para continuar existindo.

    
       Por Alfredo Guilherme



Ronda/ compositor Paulo Vanzolini


terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Você faz sexo usando meias ?…

 



    Nem todo mundo é fã de sexo usando meias (será que estão certos ? )

    Olha, vamos ser sinceros meus amigos, e debater agora sobre fazer sexo… usando meias é quase tão polarizador quanto discutir se abacaxi com chantilly vai bem na pizza. De um lado, temos os defensores ferrenhos, aqueles que juram que uma meia quentinha no pé melhora até a performance. "Conforto térmico, meu caro", dizem eles, como se fossem engenheiros do prazer.

    Do outro lado, estão os puristas, que não conseguem levar a sério alguém que aparece para o “ momento tesão com meias de bolinhas anti-escorregadias, ou, pior ainda, aquelas com furos estratégicos, para dar lugar arejado para unha encravada. Afinal, como manter o clima sensual se, a cada movimento, a meia desliza do pé e fica pendurada no calcanhar?

    E nem vamos entrar no mérito das meias temáticas. Porque, convenhamos, é difícil manter o fogo da paixão quando você olha para os pés da pessoa e vê meias com estampa de unicórnio, não sei se é melhor ou pior que ver o meu time perder o campeonato em uma disputa de pênalti.

    A verdade é que cada um tem suas preferências. Se você acha que a meia é indispensável para manter os pés quentinhos e o clima leve, siga em frente. Se, por outro lado, acredita que o ato sexual, exige os pés nus, para total conexão com o universo, desde de que não esteja cascudos, e sim estejam  devidamente lixados e hidratados, aí está tudo certo. No fim das contas, o que importa é que todo mundo se divirta sexualmente, com ou sem meias.

    Só não vale meia de crochê... que seu amor fez com todo carinho, para ser usado nos dias mais gelados, aí já é demais né…


    Por Alfredo Guilherme 



sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Queridos leitores…


     Enquanto mais um ano chega ao fim, quero tirar um momento para agradecer a cada um de vocês. Que dedicam parte do seu tempo precioso para ler, comentar e compartilhar os textos deste blog, vocês são a razão de tudo isso existir. Cada palavra escrita encontra seu verdadeiro significado quando chega até vocês.

      Este ano foi repleto de desafios, aprendizados e conquistas, e compartilhar tudo isso tornou a jornada ainda mais especial. É incrível como, mesmo separados por telas, conseguimos criar uma conexão tão genuína e significativa.

       Desejo a todos um fim de ano repleto de momentos de paz, amor e esperança. Que as festas sejam um tempo para celebrar com aqueles que amamos, para refletir sobre tudo o que foi vivido e para sonhar com o que ainda está por vir.

        Que 2025 traga novas possibilidades, novas histórias e ainda mais motivos para sorrir. E, claro, espero continuar essa troca tão valiosa que temos aqui.

        Obrigado por fazerem parte deste blogue. Vocês não são apenas leitores, mas também parte fundamental desta caminhada.

Com gratidão… 

          Alfredo Guilherme 





Batuque de Esperança…



Xangô, com sua balança de justiça,
Faz do coração leveza, sem cobiça.
Oxalá, pai de toda criação,
Semeie paz e união na multidão.

O tambor ressoa, chamando axé,
Com cada batida, o novo ano é fé.
Que as bênçãos dos orixás sejam abrigo.

Ogum cavaleiro da paz,
Esteja em cada passo, do destino amigo.

 O som do tambor, o futuro dança
Ritmo de alegria, amor e esperança.
Que esse ano seja luz, seja verdade
Com os orixás guiando à felicidade.


Por Alfredo Guilherme 



terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Um conto contado : A Beleza Invisível…




    Era uma tarde comum em um café movimentado da região nobre dos Jardins em São Paulo, quando Celia, observadora por natureza, percebeu algo que despertou sua curiosidade. Na mesa ao lado, um casal chamava atenção. Ele, um homem aparentemente mais velho, com feições simples, pele escura, mãos e unhas bem cuidadas, que aparentemente contavam histórias de uma vida de trabalho intelectual. Ela, uma mulher jovem, de beleza marcante, cabelos lisos e pele clara, irradiando um brilho quase surreal. O contraste entre eles não era apenas de idade e aparência, mas de cor. Era um daqueles casais que fariam as fofoqueiras de plantão do bairro dela não dormirem, tentando entender como duas figuras tão diferentes estavam juntas.

     Celia, que se orgulhava de suas análises discretas da vida alheia, começou a imaginar a história por trás daquele casal. "Será que ele foi um ex jogador de futebol das antigas ?", pensou brevemente, sucumbindo a esse clichê já tão usado.Talvez essa fosse a curiosidade de alguém que, como ela, nunca havia se envolvido com um homem da pele escura. Na verdade, Celia nunca havia sequer considerado isso, não por preconceito explícito, mas por nunca ter surgido a oportunidade, ou interesse... ou talvez por nunca se ter permitido.

     Enquanto eles conversavam, porém, algo no comportamento da mulher chamou a atenção da Celia... Ela não parecia constrangida ou preocupada com os olhares curiosos ao redor. Ao contrário, ela ria de algo que ele dizia, com aquele tipo de riso que não se pode forçar, o tipo que vem de uma conexão intensa e genuína. Ele, de pele profundamente marcada pelo sol e pelos anos, a olhava com um brilho nos olhos que só poderia ser descrito como admiração, ternura e amor envolvido.

     Celia, que sempre acreditou que a aparência e até mesmo a cor da pele  desempenhava um papel fundamental nos relacionamentos, começou a questionar suas próprias convicções. Como alguém que talvez nunca tivesse namorado um homem preto poderia estar tão à vontade, tão plenamente entregue àquele momento? E, ao observar com mais cuidado, percebeu que o que unia aqueles dois era algo muito mais profundo do que qualquer diferença física.

     O riso que ela dava, as palavras trocadas, os olhares, tudo indicava que eles compartilhavam algo que transcendia o superficial. Aos olhos de quem olhasse apenas a superfície, o casal talvez não fizesse sentido por ele ser mais velho, ela mais jovem, suas peles contrastando de forma carinhosa. Mas, para eles, parecia que essas diferenças não só não importavam, como também faziam parte do encanto da relação.

     Celia, refletiu sobre sua própria vida. Nunca havia se permitido pensar fora de sua zona de conforto quando se tratava de relacionamentos. Cor, idade, aparência, tudo isso parecia contar demais em suas escolhas. Mas ali, naquele café, diante daquele casal tão feliz e ao mesmo tempo tão unido, ela começou a se perguntar, por que essas barreiras que parecem tão grandes aos olhos dos outros ainda a prendia?

     Aquele casal era uma prova de que o amor não segue as regras estabelecidas pela sociedade ou pelo preconceito. Celia, percebeu que talvez nunca tivesse namorado um homem negro não por falta de oportunidade, mas porque nunca tinha se permitido abrir os olhos para além do óbvio. E ali, naquele momento, ela viu que a beleza, no final das contas, estava onde menos se esperava.

    Quando finalmente se levantaram para ir embora, de mãos dadas, Celia notou o contraste das peles, a mão escura segurando com firmeza a mão clara. Aquilo, de certa forma, parecia ainda mais bonito. Não de uma beleza física, mas de como, apesar de qualquer diferença de cor, idade, aparência eles haviam se encontrado e, de alguma forma, estavam enamorados.

     A beleza visível conta apenas no primeiro ato da peça, concluiu Celia. Mas é a beleza invisível, aquela que transcende cor e formas, e que escreve o restante da história. E, pelo que ela pôde observar, aquela história estava longe de acabar. E a dela também, pois teve que se dirigir com urgência até o estacionamento, por ter estacionado o seu carro em local proibido, impedindo a BMW do casal que acabara de sair do café, de sair do estacionamento.  


       Por Alfredo Guilherme 


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Crônica : Amor erotomaníaco…

        


      A forma "erotomaníaca" de amar, também conhecida como síndrome de Clérambault, é uma condição psicológica em que uma pessoa, geralmente uma mulher (mas não exclusivamente) desenvolve a crença ilusória de que outra pessoa, muitas vezes de status inacessível, está apaixonada por ela. Esse tipo de amor aconteceu com a Cristina...

     Estímulo sensorial atordoante você tem ao andar pela Av. Paulista é uma experiência única. O cheiro da fumaça dos escapamentos de motos e carros se mistura com o aroma das comidas dos ambulantes, criando uma sinfonia olfativa, tudo acontece em frente ao Conjunto Nacional, esquina com a rua Algusta tão cheia de histórias. Os gritos dos camelôs se fundem com as vozes dos artistas de rua, compondo uma cacofonia que impressiona pela variedade de estilos e rostos nessa maravilha arquitetônica da avenida.

       O fluxo frenético de carros, quase colados uns nos outros, é interrompido por ambulâncias pedindo passagem e caminhões de bombeiros entrando na contramão. Com prazos rigorosos para entrega, as motos passam raspando nos retrovisores dos carros. 

       Cristina, como uma verdadeira cria dessa metrópole, nem reparava mais que tudo se move dessa forma. Para ela, essa cidade é como um confortável par de tênis velho. existe até romantismo em tudo isso, ela adorava trabalhar nessa zorra toda, ainda mais, quando sentia o chão tremer com o metrô passando por baixo da avenida.

      Ela vivia em um mundo que só ela enxergava. Acordava todas as manhãs com o coração disparado e um sorriso no rosto, ficava meia insegura e toda estabanada quando estava diante do homem que ela estava convencida de que esse era o amor da sua vida, ele por sua vez a observava, e a desejava em segredo. Era um sentimento doce e arrebatador, quase como um romance clássico, mas apenas para ela.

      O alvo de sua paixão era um médico, que trabalhava em um consultório no mesmo andar em que ela trabalhava em uma empresa de consultoria, na av Paulista, Dr. Paulo Henrique, um homem respeitado e sempre atarefado, conhecido por seu jeito educado e cativante. Para Cristina, porém, cada "bom dia" cordial era um poema, cada aceno discreto era uma declaração de amor. Ele não estava apenas sendo gentil, estava enviando mensagens codificadas que só ela sabia decifrar.

      Da sua mesa de trabalho junto a uma porta de vidro, ela observava Paulo entrar e sair do consultório, sempre com o olhar fixo, e lutando para seu cérebro funcionar normalmente, era como se esperasse o momento em que ele finalmente, confessaria seu amor. Quando ele comprou uma rosa vermelha no Dia dos Namorados, e veio com ela nas mãos entrando no consultório, ela teve certeza, "É para mim. Só pode ser para mim."

      Mas os dias passavam, e Paulo seguia sua rotina, alheio ao universo que Cristina construíra. Ela começou a interpretar pequenos gestos como sinais inequívocos. Um aceno como comprimento ? Era um truque para disfarçar. Um certo dia que ele não apareceu no consultório? Para ela, ele, estava planejando uma surpresa.

     Cristina contava para sua melhor amiga sobre o "romance secreto". A amiga, preocupada, tentou trazer um pouco de realidade para ela.

     - Cris, ele nunca falou nada além de “bom dia” pra você. Não acha que você pode estar se enganando?

     Cristina ria, indulgente...

     - Você não entende, é tudo muito sutil. Ele não pode demonstrar assim, tão diretamente.

     Certa noite, Cristina resolveu escrever uma carta. Colocou no papel tudo o que sentia, acreditando que Paulo precisava saber de sua devoção, nela ela deixava pistas óbvias sobre sua intenção. A carta foi entregue para ele, em seguida ela marcou uma consulta. No dia da consulta, não conseguiu evitar a ansiedade.

     Quando entrou, o olhar de Paulo era confuso. Ele a recebeu no consultório com a mesma cordialidade que sempre tratava seus pacientes, mas dessa vez havia algo diferente, uma preocupação.

     - Cristina, recebi sua carta... Podemos conversar?  Perguntou ele, com um tom que soava mais clínico do que romântico.

      O coração de Cristina disparou. Aquele era o momento que ela havia esperado por tanto tempo. Mas, em vez de declarações de amor, Paulo falou com cuidado sobre limites, e percepções equivocadas como idealização extrema, de um amor 'erotomaníaco' que é frequentemente idealizado, e visto como se esse alguém seria perfeito ou inatingível. E que ela possivelmente estava tendo um foco obsessivo, ilusão de reciprocidade, amor platônico, seguido de persistência emocional, dando a  ilusão de reciprocidade, e que seria importante para ela buscar ajuda. Paulo contou um pouco da sua vida, do seu casamento do amor pelas suas duas filhas gêmeas já adolescentes. E com um bom profissional, sugeriu que ela procurasse um psicólogo para entender melhor seus sentimentos.

    Cristina saiu do consultório desnorteada. A certeza que sustentara por tanto tempo começava se desfazer. O que ela havia interpretado como amor, era, na verdade, um reflexo de sua solidão, um escape para a monotonia de vida.

     Semanas depois, Cristina começou a frequentar sessões de terapia. Foi doloroso no início, mas, aos poucos, ela passou a entender que sua paixão por Paulo nunca fora realmente sobre ele. Era sobre a necessidade de se sentir vista, amada e ser importante para alguém.

      Em uma noite, saindo do serviço, Cristina resolveu caminhar sozinha pela Avenida Paulista, que já estava enfeitada para o Natal. As luzes piscavam nas fachadas dos prédios e pelas árvores da avenida, enquanto o som de músicas natalinas ecoavam por todos os cantos. Ela parou diante de uma vitrine decorada com renas e bonecos de neve e o Papai Noel, e viu seu reflexo no vidro. Pela primeira vez, sentiu vontade de olhar para si mesma com o mesmo carinho que um dia dedicara ao Paulo.

       O vento fresco da noite trazia o aroma doce das castanhas assadas que vendedores ambulantes ofereciam aos transeuntes. Famílias tiravam fotos ao lado das árvores gigantes, casais andavam de mãos dadas. Cristina  sorriu, não com a tristeza de quem perdeu algo, mas com a serenidade de quem começou a se encontrar.

       Caminhou sem pressa, observando os detalhes. As luzes pareciam sussurrar que cada pessoa ali carregava suas próprias histórias, suas dores, seus amores. Pela primeira vez em meses, sentiu-se parte do mundo, não isolada em sua fantasia.

        Enquanto as luzes natalinas refletiam em seus olhos, Cristina fez uma promessa silenciosa, cuidaria de si mesma, aprenderia a viver o presente e, quem sabe, um dia, encontraria um amor de verdade, não perfeito, mas real.

        E naquela noite, sob as luzes e a magia do Natal paulistano, Cristina começou a acreditar que o melhor presente que poderia dar a si mesma era a liberdade de reescrever sua história.

       

         Por Alfredo Guilherme