Anonimato nunca mais...
Muitas pessoas como eu já foram vitimas desta sacanagem...
Houve um tempo, nos primeiros anos da internet, em que
estabelecer a identidade de quem estava na web era praticamente impossível.
Naquele momento, mulher podia dizer que era homem, adolescente dizer que era adulto, gente de um lugar dizer que era de outro.
A internet era um território coletivo de experimentação de identidades. Se antes dela só poucas pessoas brincavam com suas identidades (como os atores e os boêmios), a internet disseminou essa experiência de “ser outro alguém” para as massas e flexibilizou as identidades, que passaram a se tornar fluidas como a informação.
Nesses primórdios, ainda fazia sentido o cartoon de
Peter Steiner publicado pela revista New Yorker, em 1993, que mostrava um
cachorro teclando no computador enquanto a legenda dizia: “Na internet, ninguém
sabe que você é um cachorro”.
A rede dos dias de hoje é muito diferente. Ela estabeleceu um culto à identidade.
A maior parte das interações passou a ser mediada não mais pelo anonimato, mas por avatares que se confundem com quem realmente somos. Os espaços para interações anônimas ainda existem, mas são cada vez mais marginais.
O grosso das interações on-line de hoje depende de
reafirmar infinitas vezes quem somos. Tudo gira em torno da projeção da nossa
identidade, que se tornou a unidade básica de organização da informação no
mundo de hoje (até para recebermos anúncios “personalizados”).
Não é por acaso
que as grandes empresas da rede exijam que você utilize seu próprio nome.
Quem vive com uma identidade alternativa no mundo
“real”, como cosplayers ou transgêneros, ex namorada(o), já esta encontrando problemas com essa
política – muitos tiveram contas suspensas nas redes sociais.
É claro que a afirmação da identidade na rede trouxe
inúmeras vantagens. Tornou a internet um lugar mais “familiar”. Também
transformou a rede em um ambiente mais propício a negócios e a atividades
“sérias”.
A boemia e o comportamento dândi foram ficando de
lado. As pessoas passaram a ter reputações on-line a zelar.
Claro que isso é positivo e ajudou a ampliar o alcance
da rede. Mas muita poesia foi também perdida nesse processo.
Personas non gratas, fictícias na rede eram capazes de
despertar amor, ódio, admiração, repulsa, tal como uma peça de teatro coletiva
e espontânea.
Tudo isso livre das limitações intrínsecas da
identidade. Um exemplo foi a febre dos perfis fakes no finado Orkut. Vários
tinham popularidade gigantesca e criavam novelas épicas: narrativas inventadas
coletivamente junto com quem interagia com eles.
O excessivo culto à identidade na rede está agora
levando a um refluxo. Há uma onda de novos aplicativos e empresas buscando
promover novamente interações anônimas.
Há rumores de que o próprio Facebook está para lançar
um aplicativo anônimo, construindo um novo território onde não exigirá que as
pessoas usem o nome verdade.
Mas esse refluxo será só uma gota no oceano da rede.
A internet de
hoje e do futuro é uma rede onde não há mais espaço para Personas non grata. Ao
contrário, a rede tornou-se o espaço da vigilância perfeita e do controle.
Mesmo que alguém crie uma Persona non grata para atuar
digitalmente nos dias de hoje, pode ter certeza de que em algum lugar haverá
quem saiba quem você é, e que monitora em detalhes a pessoa por trás da máscara.
O cartoon de Peter Steiner precisa ser atualizado.
Agora sua legenda precisa dizer: “Na internet de
hoje, alguém sempre saberá quem você é...
"Um cachorro filho da puta, ou uma cadela filha da puta”.
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