Renato... Sorriu com ar de intelectual, ele
esconde a idade, mas se surfou de pranchão, já tem mais de 80 e trá lá lá, ele é um destes caras que fala mais de cinco
línguas, morador de Ipanema.
Cresceu ao lado de playboy's
intelectuais, alguns deles ficaram famosos compondo ao sabor de um bom uísque,
e na fumaça da maconha... Até então a desconhecida "Bossa Nova",
foi professor de Língua Portuguesa em uma Faculdade Federal.
E como diria o "Poetinha",
Vinícius... Ele é branco, mas negro
demais de coração... Um apaixonado pelo Samba.
... Seguiu a conversa...
- Tudo pode acontecer você sabe
o grande momento de inspiração nunca sabemos quando poderá acontecer, ele
simplesmente acontece...
- Hoje eu... Estava versejando a minha
tristeza e percebi que ela crescia como essas árvores de inverno... Seca, e sem
beleza alguma.
- É, professor... Na semiobscuridade dos
nossos pensamentos, eu percebo que somos criaturas artisticamente muito
misteriosas quando somos tomados pela tristeza, seja ela qual for, e se é de
cunho sentimental ai a tristeza abate sem o menor constrangimento a nossa
alegria.
-
Realmente eu não sei com as outras pessoas, mas principalmente para nós que
gostamos de compor, e gostamos das artes, nos afeta e muito o desalinho com uma
mulher, e este é o meu caso atual amigo.
-
Mas eu acredito que tudo o que podemos tentar fazer neste momento é não termos
tanto medo de procurar respostas... Não podemos nos assustar a ponto de nos
paralisar porque já não somos tão jovens, se tiver que ficar, fica, se tiver que
cair fora, foda-se deixe a tristeza pra trás e caia fora.
-
Às vezes, apesar de me acharem que eu sou isso ou aquilo, eu continuo apesar da
idade a ser um leão enjaulado, com a boca na grade.
-
É preciso não se abater, amigo reagir, mesmo que o coração esteja tão surrado.
-
Tenho que refinar mais o meu relacionamento com a minha mulher a Regina, vivo tentando
fazer o melhor possível, para as consequências terem mais chances de serem
favoráveis, mas ela adora arrumar alteração, quando eu saio pra levar um samba
com a rapaziada.
-
As Leis das Probabilidades são sérias em um relacionamento...
-
Para mim isso faz parte de um discurso
pós-moderno.... "Para se viver com qualidade é preciso saber lidar com
seus sentimentos", só queria saber se o puto que escreveu isso conseguiu.
- Vou dizer... Com certeza não conseguiu... E pela frescura das palavras e a inteligência da frase ele nem gostava da fruta, o que não é o nosso caso... Para mim, é um malabarismo conseguir se relacionar com conforto de sentimentos,
pra não deixar virar um sentimento devastador.
-
Tudo deve funcionar de acordo com as probabilidades de dar certo ou dar
errado... A vida acaba virando cálculos estatísticos.
- Vamos então lidar com a matemática, e não com a existência
propriamente dita é isso...??
-
Sim é isso... Até dizem por ai, que nos os homens, somos nós e as nossas
circunstâncias.
- Até posso pensar assim, mas vou ser um pouco
mais abrangente...
- Você acrescentaria algumas ideias.
-
Veja bem... Creio que somos o que fomos, somado ao que de nós ainda vai
continuar a existir.
-
Se nos somos nossas circunstâncias e contingências do presente, passado é
futuro, parte delas foi determinada pelas consequências de nossas escolhas...
Concorda...
- Com certeza... Junto com as orientações compatíveis com a formação de nossa personalidade.
-
E como todas essas reflexões para mim não passam de chiclete... Estica, estica, faz bola, e tudo mais
continua no mesmo tamanho... Eu continuo achando que somos criaturas tão
misteriosas que vivemos sempre a nos auto-surpreender...!!
-
O caminho é incerto, tudo é muito complicado, e só nos cabe desistir ou lutar.
-
Lutar com certeza... Eu sei que você vai lutar não vai se abater, apesar de que
a vida se faz de entrega e riscos... Vamos nesta levada professor...
- O amor não uma coisa inventada pelo
homem, ele é a única coisa capaz de transcender as dimensões do tempo e
espaço...
-
Vai vendo...
Argumentei
mais ainda...
-
Assim como a gravidade, o amor talvez seja uma lei da natureza.
-
Essa sua reflexão muito me agradou amigo, apesar de que ela me pareceu meia que
"Interestelar", mas devo dizer então diante disso que... Além do
amor, nada existe...?? Certo amigo.
-
Com certeza... É ele o amor e que nos faz suportar a dureza da vida, e insistir
e a única forma de reparar os danos e a vergonha de não sermos capaz de dizer... " Eu te amo"...
Renato ficou alguns instantes em
silêncio, com o olhar vago, colocou calmamente o seu copo de uísque mais
afastado de suas mãos e suavemente, compassadamente começou a batucar a moda
antiga em cima da mesa, com uma das mãos, murmurando, foi soltando a voz e...
Cantou...
Não, eu não vou desistir.
Aperte-me mais forte.
E só me diz que me ama.
Agasalha-me, em seu peito.
No
espaço e no tempo.
Deixe-me
entender, deixe-me sentir.
No
amor como um todo.
Só
existe, você...
Terminou...
Sorrindo como uma criança ele parecia ter acabado de fazer alguma travessura,
bateu com a palma da mão na mesa, tomou um gole do seu uísque e falou de uma maneira não muito
comum para ele...
- Puta que pariu...!! O que você
acha parceiro de terminar a nossa parceria neste samba com estes versos...
Fui na levada dele... Tomei também
calmamente mais um gole de cerveja,
acendi um cigarro e comecei a cantar baixinho, o final dos versos, fazendo um
acompanhamento discreto com os meus dedos em cima da mesa...
No
amor como um todo...
Só
existe você... -Vou completar se me permite...
No
meu, coração...
- Fechou amigo... !! Finalmente, vamos cantar, bebemorar... Ai só se for agora, vamos dar uma palinha pros nossos amigos...
- Com certeza parceiro, vamos que vamos, nessa levada da mais pura inspiração... Brindamos com os copos nas alturas e foi só alegria...
Cantamos pra valer o samba pelo
menos, mais de dez vezes, entre sorrisos uísque e muita cerveja, e com o
privilegio de ter o acompanhamento vocal e na batida das mãos dos demais amigos do Boteco, que
aprovaram de cara a letra cantamos na maior empolgação.
Até que o celular do Renato tocou, era
a esposa dele do outro lado da linha, quando desligou, um sorriso maroto
apareceu em seu rosto, se despediu dizendo...
- Ai parceiro, está tudo bem, vou pro
meu "AP", viver... O amor como um todo...
Jair
que estava o tempo todo sentado ao lado da nossa mesa e com certeza deve ter
ouvido a nossa conversa, levantou rápido meteu a mão no bolso destacou da
cartela um comprimido das tais “azuizinhas” e jogou na direção do Renato
dizendo...
- Ai meu camarada, leva um reforço porque hoje a noite não promete ela é toda sua...
Renato
não se fez de arrogante, pegou no ar o comprimido, dando uma tremenda gargalhada,
e saiu claramente feliz porta a fora, esqueceu até de pagar a conta, o que eu
fiz por ele com muito prazer...
É a vida é mesmo feita de momentos como
estes, e aqui no nosso Boteco o VemAki, acontece toda hora...