quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

É só um causo...


      Muito viajado e com muitos conhecimentos na cabeça pois é assim que o João Antunes, conhecido como Joca, para os amigos e familiares, com os seus 95 anos no lombo, não aceita de jeito nenhum ser reconhecido como a (ONU) classifica as pessoas, acima de 90 anos, como “Velhice Extrema”. 

     Joca é totalmente lúcido, isto é até que alguém pergunte pelas inocentes bobagens que ele cometeu na sua juventude principalmente na sua iniciação sexual, em cima de um cupinzeiro no pasto da fazenda, acochado com a mansinha vaquinha Gertrudes. Digamos que ele era apaixonado, anos se passaram e não se emendou, foi pego atrás da moita com uma tal de Mariazinha dos Anjos, esse e  outros tantos acontecimentos certamente não tiveram o perdão do Pároco da Igreja local. Mas se tentarem tirar dele as verdades sobre essas e outras safadezas cometidas, por conveniência, na hora ele se torna surdo e desmemoriado dos fatos ocorridos. Até hoje, ele não gosta de dar razão a ninguém quando se dispõe a contar um dos vários “causos” que aconteceram no decorrer da sua vida na roça no interior de São Paulo, neste caso ele diz... Uai, fazer feio pur que?

     Com as brasas do churrasco fumegando na churrasqueira e uma fogueira esquentando a noite, Renato, neto do Joca estava feliz por presentear no dia do aniversário dele um ambiente parecido com o que ele ainda vive na fazenda da família, com muita dedicação ele decorou o jardim da sua casa em um bairro nobre da capital, conseguiu reunir quase toda a família e amigos mais próximos, iluminou o ambiente com vários lampiões no espaço dedicado a festa, que em poucos minutos adquiriram ares do campo, ficaram rodeados de mariposas e um enxame de pernilongos fazendo plantão prontos para atacar se não fossem as abençoadas tochas de citronela serem acesas com certeza os convidados seriam devorados por eles mais ficaram só na vontade.

     Os convidados se divertiam, ao som da viola e uma sanfona de oito baixos, da dupla sertaneja Vicentino e Vicente, só ao som de músicas de raiz sertaneja. Em um dos intervalos musical, para os músicos molhar a garganta com uma prestigiada cachaça de alambique e um velho whisky que o velho Joca, fez questão também de dar um bicada, mais antes, jogou fora as duas pedras de gelo do copo, mas deu mesmo preferência a boa cachaça que continuou tomando sentado em um toco de madeira a beira da fogueira.

      Inesperadamente, o Joca se levantou arrumou a calça na altura da cintura bateu com a sola da bota no chão por três vezes, deu uma longa baforada no cigarro de palha como vocês sabem é o cigarro preferido dos matutos, enquanto a fumaça saia da sua boca e nariz seu rosto ficou parcialmente encoberto, ele falou, com um sotaque de tons e expressões de quem nasceu e viveu na roça, mas sabia como ninguém prender atenção dos ouvintes com a sua narrativa...

      - Se eu fala dimais, oceis avisa, que eu paro e mandu oceis pá merda, fico aburrecido e voumi embora... Dizendo isso fez questão de olhar no rosto de cada um que estava na roda da fogueira, atentos a sua fala ele desembuchou a contar o “causo”…

      - Tudo acontece quandu o compadre me fez um pedido, na viage qui fui no lombo da minha égua Ventania, até a capital e depois dei uma esticadinha até no alto da serra lá na cidade hoje histórica de Paranapiacaba, uma belezura de cidade fundada pelos ingleis, que pela sua belezura, já paga tudos atropelos da viagem, onde fui pra cumprar algumas coisas pra fazenda, e cumprei, pur incomenda num botequim ingleis na tar cidade, um whisky estrangeiro qui é da marca desse se eu não tô enganado, qui oceis tão tomando agora. Eu, eu nem acreditei quando cheguei lá, a cidade é uma grande garagem de ferro cercada por casas de madeiras, inté os telhadu também, mas tudo com maió conforto, mais rodeada de morros pur tudo quanto é lado, com um tenebroso cemitério lá no alto do morro na entrada da cidade, e no único lugá plano desse lugá, tem uma parada de trem em meio à um emaranhado de trilhos com vagão de trem parados por tudo lado, e tem uma torre alta cum relógio lá na ponta, grande demais com os ponteiro maior que a minha perna, dizem qui é iguarzinho ao que os gringos tem lá nas europas em Londri, bunito de mais da conta, pra falar a verdade e pra encurtar a prosa, foi nu meio da cerração qui toma conta da cidade sem a gente esperar, já anoitecendo foi que caminhando eu olhei vindo na minha direção na ponte que corta o lugá a mais bela donzela da cidade a Valdete, tudo nela era uma buniteza me enamorei de cara... Nesse instante um não muito discreto riso partiu de algum dos convidados que estavam em volta da fogueira... 

      -  Num ri não pessoár tô falando a verdade... Ela foi dexada cum 3 anos na cumpanhia de estranhos até ser adotada, ela é avó desse meu neto querido o Renato, que tá me dando esse prazer nessa noite. O padrasto dela entendia muito de trem e estrada de ferro, e quem entende de amor no pasto, (🐮), ou melhor dizendo no mato sô eu, ora essa ! depois de uns três dia no convencimento que eu tinha que casar, não tive resposta arguma dos pais, na urtima noite lá hospedado na casa dela eu, não consegui durmi, fiquei matutando a noite toda e no que amanheceu, oiando pro sol, que saia por detrás das muntanhas cosei o queixo um tempão já desacorçoado da vida, com o qui tava acuntecendo cumigo dispois entendi, foi inté bem feito pra mi insina a deixá de sê besta. Num dei ouvido pra nenhuma recumendação mais dos pais dela, e muito antes de que o primeiro galo cantasse tomemos o café e de bucho cheio resorvemos fugi, muntamos no lombo da égua Ventania que não estava aceitando muito bem, picar a mula, com dois por cima dela, contrariada tive que meter a espora na malandra porveis ela esquecia que quem manda na rédea e quem tá muntado nela, mais antes de muntar na danada, eu tava esquecendo falar, de raiva a Ventania empinou, relinchou e mijó bem nos pés de nois dois, bom, aí peguemos a trilha mata a dentro, nem o piado agourento da coruja nos íntimo, encaramu uma cerração danada úmida e quente e pegajosa de vez em quando passava flocos grandes de neblina soprada pelo vento gelado por demais, que dava a impressão que eu tava cavalgando dentro de uma nuvem, foi uma vorta preguiçosa com muito atoleiro, e mata fechada pra atravessá foi muito cansativa a viagem, até São Paulo onde fiquemos por 2 dias descansando, pra seguir viaje até na fazenda, o tempo parecia não querer passar, foi mais de 5 dias nessa jornada.

      - Vivemus com muito carinho por anos e anos, hoje a minha amada esposa descansa em paz, mais já sabendo que vai ter que me aturar eternamente quandu eu partir daqui desse mundo…

      O anfitrião seu neto zombeteiro que só,  interrompeu a fala do vozão  perguntando? - Diz pra nós a verdade… Quem mijou foi a égua Ventania ?, ou o senhor de medo de tomar um tiro nas ventas pelo que o senhor fez, uma coisa eu sei que avô sempre contava pra nós quando crianças, que o senhor se borrava todo pois morria de medo de arma de fogo… 

      O velho Joca suspirou fundo, levantou-se de novo do toco de árvore que acabará de se sentar e como se ainda estivesse contando o “causo”, novamente ficou em pé escondendo o rosto debaixo da aba do chapéu, acendeu outro cigarro de palha apertou nos dentes deu uma tragada sem levantar os olhos para o neto e respondeu…   

       - Todo mundo sabi qui tenho medo de armad’otro mundos e de arma de fogo, isso eu nunca neguei, agora se continuá me cutucando nas perguntas, vai me zangar, mas vou responder, foi a égua Ventania que mijó, seu bostinha de merda, e pra compretá saiba qui num tenho medo de fio da puta ninhum! e te digo mais a arma mais forte de um homem e a palavra cumprida...

      Os convidados riram muito com a resposta do Joca, para o seu neto, mas percebendo que a temperatura ia subir os músicos começaram a tocar novamente as modas sertaneja deixando a noite de festa ainda mais agradável regada de muita cachaça e cerveja e um churrasco de primeira, pois o velho e famoso whisky já tinha acabado, e a alegria se estendeu noite a fora com o Joca tentando convencer o neto a trocar um lote de garrotes pelo o que ele chamou de o máximo de conforto pra viajar o carrão do neto, uma SUV novinha em folha...


 Por : Alfredo Guilherme 

 


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Um… Amante…



Por : Marta Solyszko

            Um amante de evento....


            A cada dois anos se encontravam num país e cidade diferentes para viver uns poucos dias de saudades guardadas, conversas frouxas e silêncios perdidos em abraços e beijos carregados de distância. Ela chamava isso de amante de evento. O último foi num país de neves, flores nos vales, riachos correndo mansos e montanhas e de deslizamentos por declives amorosos foram os dias que duraram o evento. Ela chegaria de avião e ele foi de trem encontrá-la no aeroporto. Voltariam juntos para acidade de onde ele veio. Pensou já ter visto esscena em algum filme. O trem chegando na estação e ela segurando a mala e o casaco  esperando pelo abraço, um abraço de bicho no cio, sem saber se passava a mão nos seus cabelos ou no seu rosto, se apertava suas mãos, acarinhava sua face, ou se esperava ser suspensa no ar e rodopiar, como vira no filme. A saudade era tanta que esqueceu das montanhas, da neve que não havia em seu ensolarado país, das flores nos valesdos riachos lerdos e das gentes que passavam pela estação. 

         Abraçados respiraram, comeram, andaram, conversaram e quase não dormiram por uma semana. Se desenroscavam porque no evento cada qual tinha uma tarefa diferente. No mais do tempo era só amor e devoção. E a semana pulou dias no calendário para ter acabado tão rápido. Nunca os dias tinham sido tão lentos e as noites tão rápidas para tantos abraços, curtidos no caldo de profundos silêncios e ansiosas esperas de  intermináveis dias e meses, sempre muito mais longos pra ela que para o resto dos mortais

         O evento chegou ao fim e a semana também. Enquanto o trem corria entre montanhas, neves, flores e doces riachos, ela decidiu que não queria mais esperar por abraços segurando a mala e um casaco em uma estação de trem e nem em um aeroporto de um país qualquer. E nunca mais se encontraram.