A forma "erotomaníaca" de amar, também conhecida como síndrome de Clérambault, é uma condição psicológica em que uma pessoa, geralmente uma mulher (mas não exclusivamente) desenvolve a crença ilusória de que outra pessoa, muitas vezes de status inacessível, está apaixonada por ela. Esse tipo de amor aconteceu com a Cristina...
Estímulo sensorial atordoante você tem ao andar pela Av. Paulista é uma experiência única. O cheiro da fumaça dos escapamentos de motos e carros se mistura com o aroma das comidas dos ambulantes, criando uma sinfonia olfativa, tudo acontece em frente ao Conjunto Nacional, esquina com a rua Algusta tão cheia de histórias. Os gritos dos camelôs se fundem com as vozes dos artistas de rua, compondo uma cacofonia que impressiona pela variedade de estilos e rostos nessa maravilha arquitetônica da avenida.
O fluxo frenético de carros, quase colados uns nos outros, é interrompido por ambulâncias pedindo passagem e caminhões de bombeiros entrando na contramão. Com prazos rigorosos para entrega, as motos passam raspando nos retrovisores dos carros.
Cristina, como uma verdadeira cria dessa metrópole, nem reparava mais que tudo se move dessa forma. Para ela, essa cidade é como um confortável par de tênis velho. existe até romantismo em tudo isso, ela adorava trabalhar nessa zorra toda, ainda mais, quando sentia o chão tremer com o metrô passando por baixo da avenida.
Ela vivia em um mundo que só ela enxergava. Acordava todas as manhãs com o coração disparado e um sorriso no rosto, ficava meia insegura e toda estabanada quando estava diante do homem que ela estava convencida de que esse era o amor da sua vida, ele por sua vez a observava, e a desejava em segredo. Era um sentimento doce e arrebatador, quase como um romance clássico, mas apenas para ela.
O alvo de sua paixão era um médico, que trabalhava em um consultório no mesmo andar em que ela trabalhava em uma empresa de consultoria, na av Paulista, Dr. Paulo Henrique, um homem respeitado e sempre atarefado, conhecido por seu jeito educado e cativante. Para Cristina, porém, cada "bom dia" cordial era um poema, cada aceno discreto era uma declaração de amor. Ele não estava apenas sendo gentil, estava enviando mensagens codificadas que só ela sabia decifrar.
Da sua mesa de trabalho junto a uma porta de vidro, ela observava Paulo entrar e sair do consultório, sempre com o olhar fixo, e lutando para seu cérebro funcionar normalmente, era como se esperasse o momento em que ele finalmente, confessaria seu amor. Quando ele comprou uma rosa vermelha no Dia dos Namorados, e veio com ela nas mãos entrando no consultório, ela teve certeza, "É para mim. Só pode ser para mim."
Mas os dias passavam, e Paulo seguia sua rotina, alheio ao universo que Cristina construíra. Ela começou a interpretar pequenos gestos como sinais inequívocos. Um aceno como comprimento ? Era um truque para disfarçar. Um certo dia que ele não apareceu no consultório? Para ela, ele, estava planejando uma surpresa.
Cristina contava para sua melhor amiga sobre o "romance secreto". A amiga, preocupada, tentou trazer um pouco de realidade para ela.
- Cris, ele nunca falou nada além de “bom dia” pra você. Não acha que você pode estar se enganando?
Cristina ria, indulgente...
- Você não entende, é tudo muito sutil. Ele não pode demonstrar assim, tão diretamente.
Certa noite, Cristina resolveu escrever uma carta. Colocou no papel tudo o que sentia, acreditando que Paulo precisava saber de sua devoção, nela ela deixava pistas óbvias sobre sua intenção. A carta foi entregue para ele, em seguida ela marcou uma consulta. No dia da consulta, não conseguiu evitar a ansiedade.
Quando entrou, o olhar de Paulo era confuso. Ele a recebeu no consultório com a mesma cordialidade que sempre tratava seus pacientes, mas dessa vez havia algo diferente, uma preocupação.
- Cristina, recebi sua carta... Podemos conversar? Perguntou ele, com um tom que soava mais clínico do que romântico.
O coração de Cristina disparou. Aquele era o momento que ela havia esperado por tanto tempo. Mas, em vez de declarações de amor, Paulo falou com cuidado sobre limites, e percepções equivocadas como idealização extrema, de um amor 'erotomaníaco' que é frequentemente idealizado, e visto como se esse alguém seria perfeito ou inatingível. E que ela possivelmente estava tendo um foco obsessivo, ilusão de reciprocidade, amor platônico, seguido de persistência emocional, dando a ilusão de reciprocidade, e que seria importante para ela buscar ajuda. Paulo contou um pouco da sua vida, do seu casamento do amor pelas suas duas filhas gêmeas já adolescentes. E com um bom profissional, sugeriu que ela procurasse um psicólogo para entender melhor seus sentimentos.
Cristina saiu do consultório desnorteada. A certeza que sustentara por tanto tempo começava se desfazer. O que ela havia interpretado como amor, era, na verdade, um reflexo de sua solidão, um escape para a monotonia de vida.
Semanas depois, Cristina começou a frequentar sessões de terapia. Foi doloroso no início, mas, aos poucos, ela passou a entender que sua paixão por Paulo nunca fora realmente sobre ele. Era sobre a necessidade de se sentir vista, amada e ser importante para alguém.
Em uma noite, saindo do serviço, Cristina resolveu caminhar sozinha pela Avenida Paulista, que já estava enfeitada para o Natal. As luzes piscavam nas fachadas dos prédios e pelas árvores da avenida, enquanto o som de músicas natalinas ecoavam por todos os cantos. Ela parou diante de uma vitrine decorada com renas e bonecos de neve e o Papai Noel, e viu seu reflexo no vidro. Pela primeira vez, sentiu vontade de olhar para si mesma com o mesmo carinho que um dia dedicara ao Paulo.
O vento fresco da noite trazia o aroma doce das castanhas assadas que vendedores ambulantes ofereciam aos transeuntes. Famílias tiravam fotos ao lado das árvores gigantes, casais andavam de mãos dadas. Cristina sorriu, não com a tristeza de quem perdeu algo, mas com a serenidade de quem começou a se encontrar.
Caminhou sem pressa, observando os detalhes. As luzes pareciam sussurrar que cada pessoa ali carregava suas próprias histórias, suas dores, seus amores. Pela primeira vez em meses, sentiu-se parte do mundo, não isolada em sua fantasia.
Enquanto as luzes natalinas refletiam em seus olhos, Cristina fez uma promessa silenciosa, cuidaria de si mesma, aprenderia a viver o presente e, quem sabe, um dia, encontraria um amor de verdade, não perfeito, mas real.
E naquela noite, sob as luzes e a magia do Natal paulistano, Cristina começou a acreditar que o melhor presente que poderia dar a si mesma era a liberdade de reescrever sua história.
Por Alfredo Guilherme