Em uma pequena cidade onde as rotinas eram previsíveis e os rostos se repetiam pelas esquinas, havia uma mulher em especial que sempre me chamou minha atenção. Sua casa, era na esquina da minha rua, era um reflexo silencioso de uma vida, solitária, mas cheia de uma beleza melancólica. A casa tinha uma varanda ampla, cercada por flores que ela mesma cuidava, como se em cada pétala estivesse depositada uma parte de seu coração.
Inicialmente para mim ela era só a mulher da casa da esquina, que me intrigava. Uma figura enigmática, sempre sozinha, com um olhar perdido em alguma lembrança distante. As poucas vezes que a vi sorrir foi para algumas crianças que passavam correndo pela sua porta em busca de brincadeiras na praça. Seus sorrisos eram tão raros quanto a chuva no verão, mas tão revigorantes quanto uma brisa fresca em um dia quente.
Diziam que ela havia perdido o amor de sua vida em uma manhã que parecia comum, mas que se transformou no início de uma longa espera. Ele saiu de casa, como fazia todos os dias para o trabalho, mas nunca mais voltou. Ninguém sabia ao certo o que havia acontecido, mas ela continuou a viver como se ele pudesse aparecer a qualquer momento. A cada amanhecer, era um convite silencioso para que ele retornasse. Mas os anos passaram, e ele nunca mais voltou.
Eu a observava de longe, do alto da minha janela, sentindo uma mistura de compaixão e algo mais que não ousava confessar. O que começou como curiosidade se transformou em um sentimento profundo, quase obsessivo. Eu queria ser aquele que traria de volta o sorriso de felicidade novamente no seu rosto, que faria seus olhos brilharem novamente. Mas havia um muro invisível entre nós, construído pelas camadas de tempo e de dor que ela havia vivido.
Tentei me aproximar várias vezes, oferecendo ajuda com as sacolas da feira, ofereci mudas de flores, casualmente comprava e entregava na sua porta, algum doce da padaria, ou simplesmente passava desejando-lhe todos os dias um bom dia !!!. Ela era sempre educada, mas mantinha uma distância que me fazia perceber que ainda havia uma sombra no fundo de sua memória.
Mais eu não desistia. Dentro de mim, acreditava que, com o tempo, poderia tocar seu coração, poderia ser o sol que dissiparia as nuvens que pairavam sobre sua vida. Talvez fosse tolice minha, mas eu preferia acreditar que o amor que eu sentia por ela poderia preencher o vazio que o outro, havia deixado.
Então, em uma tarde chuvosa, quando a cidade parecia estar envolta em um véu de tristeza, fui até a casa dela, com a desculpa de levar uma muda de azaleia flor preferida dela, vi algo diferente em seu rosto. Havia um brilho novo nos seus olhos, como se ela estivesse finalmente aceitando a realidade que evitou por tanto tempo. Aproximei-me do seu corpo acariciando em seu rosto, e desta vez, em vez de recuar, ela não me olhou com uma tristeza resignada.
Aceitando o momento, ela me disse, "Ele não vai voltar", sei que ela disse, mais para si mesma do que para mim. E naquele momento, percebi que ela finalmente havia soltado a esperança que a mantinha prisioneira do passado.
Foi então que lhe ofereci um abraço, não com palavras, mas com um gesto simples, que dizia tudo o que eu queria desde o início. Ela ao aceitar o calor dos nossos corpos, o primeiro beijo tão desejado aconteceu, senti que havia uma chance de reconstruir o que estava quebrado dentro dela.
Nos meses seguintes, não falávamos muito sobre o passado, mas construíamos novas memórias, pequenas e frágeis, mas nossas. E aos poucos, vi a mulher da casa da esquina florescer novamente, como suas plantas na primavera. E eu estava lá, ao seu lado, para assistir a esse milagre.
Eu nunca poderia substituí o amor que ela perdeu, mas com o tempo, fui capaz de encontrar um lugar em seu coração, um espaço que ela guardou para mim, onde nosso amor, apesar de tardio e marcado pelo tempo de espera, pôde crescer. E assim, finalmente, eu pude chamar de minha aquela mulher que, por tanto tempo, foi apenas uma figura solitária na casa da esquina.
A primavera cedeu lugar ao verão, e o amor que floresceu em nos não só resistiu, mas prosperou. Na pequena cidade, onde o tempo parecia passar mais devagar, decidi que era o momento de levar a minha mulher para um lugar especial. Era uma celebração não apenas do amor, mas da vida que, continuava a nos surpreender.
Mesmo com os nossos quase setenta anos cada um de nos, tínhamos o desejo de explorar algo novo, juntos, isso nos fazia sentirmos jovens novamente. Combinamos uma viagem ao litoral, e o lugar escolhido foi o que ela sempre mencionava com carinho, como uma lembrança distante dos dias de sua juventude com a família.
O litoral sempre fora um refúgio quase que espiritual para ela, e agora, seria o cenário onde celebraríamos a nossa união mesmo que tardia, mas profundamente verdadeira. Quando chegamos à pequena Vila costeira, o cheiro de sal no ar e o som das ondas quebrando na areia nos envolveram em uma sensação de paz. Ela segurava a minha mão enquanto caminhávamos pela orla, como se nunca quisesse soltá-la.
A surpresa para ela foi eu ter alugado uma cabana de frente para o mar, onde poderíamos acordar com a luz suave do sol refletindo nas águas e adormecer ouvindo o murmúrio constante do oceano, mas agora, eu queria que ela soubesse que nunca mais estaria sozinha.
À noite, sob o céu estrelado, mas cheio de significado. Sentamos juntos na varanda, saboreando uma refeição modesta, que ela preparou, mas rica em amor e companheirismo. Cada palavra trocada, cada sorriso compartilhado, cada taça de vinho era uma celebração de tudo o que havíamos conquistado. E então, enquanto o vento marinho soprava suavemente, ela olhou nos meus olhos e, expressou em palavras o que vinha sentindo desde que a conhecera, no chão da varanda nos amamos na luz do luar.
Abraçado olhando na direção da lua, eu disse... "Eu sei que não sou o primeiro amor da sua vida", segurando delicadamente a mão dela, "Mas quero ser o último". Quero que este amor, que encontramos tão tarde, seja o suficiente para preencher cada momento que ainda temos. Quero que saibas que, independentemente do que o futuro nos reserve, vamos estar sempre juntos.
Ela me olhou com lágrimas nos olhos, não de tristeza, mas de uma felicidade serena, respondeu... "Você me encontrou quando eu já tinha desistido de ser encontrada. E agora, nesta etapa da vida, percebo que não é tarde para amar novamente. Talvez seja o momento certo, o momento em que podemos realmente apreciar o que significa amar e ser amado."
A viagem ao litoral não foi apenas uma fuga do cotidiano, mas uma reafirmação de que, mesmo aos setenta e tantos anos, o amor ainda pode ser vivido em sua plenitude. Voltamos para casa de mãos dadas no ônibus, com o coração leve e a certeza de que, finalmente, encontramos o que procurávamos durante toda a vida. E na pequena cidade, a casa da esquina, outrora marcada pela solidão, agora irradiava o brilho de um amor que, apesar de tardio, era mais vibrante do que nunca.
Por Alfredo Guilherme
Que cada página deste blog, seja um convite para explorar novos mundos, encontrar inspirações e reforçar o laço com a literatura.