Acordei com o coração disparado, como se estivesse tentando lembrar um sonho que teimava em se esconder por entre a redes de neurônios.
Estava ofegante, suando com uma estranha sensação de ter vivido algo completamente surreal.
Tudo o que veio à minha mente foi uma cena maluca, eu, conversando com ninguém menos que o "Cupido", o garoto alado da mitologia grega, sentado ali, na minha frente em stand-by, aparentemente exausto, com suas asas caídas e um pequeno arco descansando em seu colo, ao lado a sua aljava de flechas quase vazia, seu rosto mostrava sinais de fadiga, me pareceu que ele esperava ansiosamente por uma palavra amiga.
No sonho, ele estava com aquele visual clássico, um paninho branco esvoaçante cobrindo levemente o seu "bingulim". Mas parecia tão perdido, desatualizado, como se não estivesse acompanhando as mudanças do tempo. E foi então que pensei, antes mesmo de acordar, por que não atualizá-lo devolvendo assim a dignidade nas tarefas do verdadeiro símbolo do amor que, claramente, parou no tempo. Não era justo ele continuar assim, preso à imagem de um garoto alado com síndrome de "Peter Pan", sem querer crescer e atualizar suas ferramentas.
De repente, o sonho começou a ficar mais interessante. De alguma forma, consegui voltar lá, como quem resolve pausar um filme para dar uma sugestão ao personagem principal. Lá estava o Cupido, sentado num banquinho, me olhando com aquela cara de quem esperava ansiosamente pela conclusão satisfatória desse encontro. Talvez achando que eu, de alguma maneira, estivesse disposto a ajudá-lo a resolver os casos amorosos da vida real. Fui direto ao ponto
- Ai, Cupido, pega essa visão... – eu disse, sentando ao lado dele. – Não tenho como abraçar a sua causa, garoto! Mas tenho umas dicas valiosas pra você se modernizar !!!
Ele arqueou as sobrancelhas, curioso, e eu percebi que tinha sua total atenção. Não sabia muito bem como, mas ali estava eu, prestes a reformular o papel do arquétipo do amor.
- Primeiro de tudo, esse seu visual aí, cara... nada de usar esse paninho esvoaçante, isso, quando você usa né, tu gosta mesmo é de voar peladão por aí ? Vamos atualizar isso já !, sugeri. – Que tal uma sunguinha branca ou uma bermuda de esqueitista ? Vai por mim, andar por aí com o "bingulim" de fora pode te render um processo por conduta imoral nos dias de hoje.
Cupido olhava confuso, mas parecia estar considerando a ideia.
- E tem mais, seu arco e flecha? Isso está ultrapassado. Hoje em dia, você devia estar nos aplicativos de relacionamento! Imagina só, suas asinhas voando enquanto você desliza o dedo pro lado direito dando "Match no Tinder". Muito mais eficiente que ficar voando pra todo lado atirando flechas por aí.
Ele inclinou a cabeça, pensativo. Continuei com minha palestra motivacional.
Podes crer amizade !!! – Que tal mandar emojis fofos pelo WhatsApp? Ou até mesmo um áudio preguiçoso: "Oi... vocês foram flechados,... é isso... boa sorte !!." Bem mais rápido e menos cansativo, hein?.
Agora ele já estava sorrindo, mas eu ainda não tinha terminado.
-Nada de bilhetes românticos deixados em baixo de travesseiros. No Instagram você comenta em fotos… "Vocês dois fariam um belo casal", e pronto! "Match garantido". Quer mais? Use um drone para lançar as flechas, assim você não se cansa e nem precisa voar tanto.
Nessas alturas da conversa o Cupido já estava praticamente anotando mentalmente minhas dicas.
- E, claro, nada de bilhetinho manuscrito. Manda um e-mail!... Com algo do tipo… "Você foi atingido por uma flecha invisível do amor. Para mais detalhes, consulte sua caixa de entrada." Mais rápido, prático e confiável.
Ele me olhou, agora com um sorriso malicioso. Acho que estava realmente começando a gostar da ideia de modernização na sua área de trabalho.
Ele estava prestes a me agradecer quando, de repente, senti meu corpo sacudir. Acordei assustado, com meu despertador tocando ao lado.
Fiquei alguns segundos sentado na cama, tentando assimilar o que tinha acabado de acontecer. Olhei ao redor, tentando entender se aquele encontro com o Cupido tinha sido um sonho lúcido, mais para saber eu teria que recorrer a psicologia e a neurociência, só assim eu teria uma resposta exata sobre o conteúdo do sonho.
Mas antes de sair da cama, me peguei rindo sozinho. Vai saber se, em algum canto do universo, O Cupido não estaria realmente repensando sua vida, depois de todos esses anos vivendo e sofrendo as dores do amor por se apaixonar perdidamente por uma mortal chamada 'Psiquê", veio dai a sua vontade de unir os corações apaixonados dos mortais eternamente...
Estaria ele agora todo moderninho, abrindo para si, um perfil em algum site de relacionamento ?.
Por Alfredo Guilherme